CAPÍTULO IV. QUE, AFASTADAS AS OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS, A MONARQUIA SIMPLES É EXCELENTE DE MODO SIMPLES E ABSOLUTO.

Segue-se a terceira proposição, que é a seguinte: desconsideradas outras circunstâncias, a Monarquia está acima de todas as outras formas de governo de modo absoluto e simples. Pois, se antepomos o regime misto entre os homens à simples monarquia por esta causa segundo a qual não pode um único homem estar presente a todos os lugares e necessariamente seja forçado a buscar os negócios da republica pela administração dos seus vigários ou pelos príncipes, certamente excluídas esta circunstâncias e outras do mesmo gênero, não haverá nenhuma razão porque a simples Monarquia não seja preferida às outras formas de governo.

Mas temos, ademais, um outro argumento mais eficaz, posto que a Monarquia simples tem o seu lugar no império de Deus e de Cristo. Devem, de fato, a Deus e a Cristo serem atribuídas as coisas ótimas; portanto, o melhor regime necessariamente deve ser a simples Monarquia. Se alguém quiser negar isto, não vejo como não cairá no erro de Marcião e dos Maniqueus, e também dos Étnicos. Porque, já que o mundo é otimamente governado pelo seu criador, e isto é sem controvérsia, se a Aristocracia for a melhor forma de regime, muitos serão os moderadores deste mundo, e daí se seguira que muitos serão os criadores deste mundo, e muitos primeiros princípios e muitos deuses haverá.

A respeito do que os antigos padres, como S Cipriano, no Tratado da Vaidade dos Ídolos, e S Justino, na oração exortatória, e aos quais também o judeu Filão pode ser acrescentado, no livro da Confusão das Línguas, provam haver um só Deus que rege todas as coisas criadas e moderam, por esse poderosíssimo argumento, porque a Monarquia é o melhor regime. E, também pela mesma causa, Justino e Filão deixaram à posteridade os livros que eles escreveram sobre a Monarquia divina.

Sendo tais coisas assim, não se pode desculpar João Calvino do erro, pois ele, cegado pelo ódio à hierarquia eclesiástica, preferiu a Aristocracia a todas as demais formas de governar, mesmo se por si, e afastadas todas as demais circunstâncias, seja considerada. Estas são, de fato, as suas próprias palavras, no Livro 4 das Institutas, capitulo 20, par. 6: "E se esses próprios estados, afastadas as circunstâncias, tu comparas ente si, não será fácil discernir qual preponderara pela utilidade e, portanto, elas lutam em igualdades de condições". E, pouco depois: "Da mesma forma, se em si forem consideradas aquelas três formas, que colocam os filósofos, de regime, não negaria que o estado aristocrático ou o estado aristocrático moderado juntamente com o estado político democrático é mais excelente do que todos os demais". Isto é o que ele diz.

E tu me dirás: leia o que se segue e encontrarás a solução da tua objeção. Assim, de fato, Calvino acrescenta: "Certamente, isto não ocorre por si pois, na verdade, rarissimamente acontece que os reis de tal maneira se moderem que nunca sua vontade se afasta do justo e do reto. Que decorra daí com quanta agudeza e prudência devem ser instruídos, cada um veja o quanto seja necessário". Faz, portanto, o defeito ou o vício dos homens que seja mais seguro e mais tolerável possuir diversos governantes.

Eu ouço, mas o que dizer da edição do ano de 1554 onde estas palavras não se encontram mais? Mas, me dirás, Calvino devidamente aconselhado, posteriormente emendou seu erro. Eu omito que a tão grande mestre em Israel não fosse levado quem nunca tão gravemente caísse. Vejo, na verdade, que Calvino não poderia ter corrigido seu erro a não ser que ele litigasse consigo mesmo. Pois se, como ele diz, não é fácil discernir qual estado prepondera mesmo se, afastadas as circunstâncias, entre si são comparados; e se, quando são consideradas em si mesmas aquelas três formas de governo que colocam os filósofos, ele indica que a aristocracia é a mais excelente, como é verdadeiro quando, imediatamente em seguida, acrescenta, dizendo "Isto não, de fato, per se etc.". E: "O vicio ou o defeito dos homens faz com que seja mais seguro e mais tolerável ter vários governantes?" Brigam entre si estas coisas a não ser que eu me engane: "Se em si são consideradas aquelas três formas, a Aristocracia é mais excelente". E: "Não é certamente por si mesmo, mas raríssimamente ocorre que os reis não discrepam do reto".

E nem menos lutam essas frases: "Não é possível discernir qual estado prepondera se, afastadas as circunstâncias, fossem considerados." E: "O vício dos homens faz com que a aristocracia seja julgada a mais útil". Pois, afastado o vício dos homens e afastadas todas as demais circunstâncias, ou a Monarquia é mais excelente ou não é mais excelente. Se ela é mais excelente, por que razão será verdadeira aquela frase pela qual "não se pode discernir qual estado prepondera", mesmo se, afastadas as circunstâncias, entre si são comparados? E se a Monarquia não é mais excelente, baseados no quê defenderemos a Monarquia divina contra os Maniqueus e os Étnicos? Mas com isto já nos aproximamos de outra questão.