São João Crisóstomo
349 - 407 DC

CONTRA OS IMPUGNADORES
DA VIDA MONÁSTICA

DISCURSO PRIMEIRO

NINGUÉM VENCE
NA GUERRA CONTRA DEUS



1.

Quando os filhos dos hebreus, na volta de sua longa escravidão, quiseram reconstruir o templo de Jerusalém que por muitos anos estivera destruído, houve então homens bárbaros e desalmados que, sem respeito ao Deus em cuja honra se levantava aquele templo; sem pena daqueles homens pela calamidade ao cabo da qual e a duras penas se refaziam; sem medo, enfim, do castigo que se segue da parte de Deus aos que cometem tais desaforos, tentaram, primeiro por si mesmos, impedir-lhes a obra de reconstrução. Mas, como nada conseguiam, escreveram cartas a seu rei, nas quais chamavam Jerusalém de cidade rebelde e amiga de revoluções e de guerra, e assim o convenceram que lhes permitisse impedir a reconstrução. Com esta autorização do rei, e atacando aos judeus com forte esquadrão de cavalaria, conseguiram prontamente interromper a obra, e ficaram muito orgulhosos de uma vitória pela qual mais deveriam ter chorado. Sua insídia - pensavam eles - havia tido um final feliz. A verdade, não obstante, é que aquilo foi só o prelúdio e o começo das calamidades que prontamente iriam cair sobre eles. A obra, com efeito, foi levada a cabo e teve brilhante coroamento e eles tiveram que aprender que nem Mitrídates então, nem outro jamais que declare guerra aos que empreendem uma boa obra, fazem a guerra aos homens, mas antes que a estes, ao próprio Deus a quem eles querem honrar. Pois bem, o que faz guerra a Deus, não é possível que jamais venha a ter bom paradeiro. Bem poderá acontecer que nada sofra (se é que já não o sofre) no começo de seu atrevimento, como se Deus o estivesse chamando a penitência e lhe desse tempo para que despertasse, por assim dizer, de sua bebedeira. Mas se se obstina em sua loucura, sem tirar proveito algum de tamanha paciência divina, pelo menos fará aos demais um bem grandíssimo, pois lhes ensinará, com seu castigo, a não entrar jamais em luta com Deus, sabendo que não é possível escapar daquela mão invencível.

Acontece que imediatamente caíram sobre eles tais calamidades, que, ante a grandeza daquela tragédia, empalidece qualquer outra desgraça. Efetivamente, as mãos daqueles judeus a quem antes se lhes impedira o trabalho, executaram neles tão espantosa carnificina, que a terra se empapou profundamente do sangue dos mortos e deste sangue se formou espesso barro. E misturados entre si juntamente os cadáveres de homens e cavalos, deles e de suas feridas se desenvolveu uma tal multidão de vermes, que os cadáveres ocultavam a terra e os vermes os cadáveres. Ao contemplar aquela planície, diríamos não que nela estavam estendidos os mortos, mas que eram fontes incontáveis das quais brotavam por todas as partes aquele gênero de animais. Tal era a abundância de vermes que, com ímpeto maior que de uma torrente, vertia daquela podridão. E isto não durou dez ou vinte dias, mas se prolongou por muito tempo.

Tal foi o castigo na presente vida; mas o que os espera na vida por vir é infinitamente mais grave. Porque os tormentos e dores inexplicáveis que haverão de sofrer seus corpos retornados a vida não durarão mil anos nem dez mil somente, nem duas ou três vezes mais, senão pelos séculos infinitos. De ambos os gêneros de tormentos sabe o bem-aventurado Isaías; de ambos também Ezequiel, o vidente de maravilhosas visões; e repartindo-se os dois profetas o castigo destes homens, um nos explicou o castigo na presente vida e outro o que os aguarda na eternidade.