LANÇA-SE A CAUSA PERANTE O TRIBUNAL DE DEUS

Imaginemos, pois, também aqui um pai cristão com o mesmo estilo de um gentio, e que seja em tudo talhado pelo mesmo padrão, exceto em sua fé em Deus. Lamente-se também este, arroje-se aos pés de todos, alegue seus cabelos brancos, sua velhice, sua solidão e tudo o demais que já sabemos, e excite à vontade a indignação dos juizes. Mas não. Tratando-se de um cristão, a causa já não pode ser ventilada diante de um tribunal de homens, pois o cristão ouviu o que homens cheios do Espírito nos têm ensinado sobre aquele terrível e espantoso tribunal a que havemos de comparecer depois da presente peregrinação. Recorde-se, antes de todas as coisas, daquele dia em que o fogo correrá como um rio, arderá a chama inextinguível, se escurecerá o sol, se esconderá a lua, cairão as estrelas, se dobrarão os céus, se abalarão as potências, será sacudida e abrasada por toda parte a terra, ressoará terrível e a intervalos a trombeta, os anjos percorrerão a orbe, aqueles anjos que aos milhares assistem ante o trono de Deus e dezenas de milhares o servem. Juntamente com o juiz aparecerão os seus exércitos, com o sinal brilhante a frente, se colocará em um trono, se abrirão os livros, brilhará a glória inacessível, se ouvirá a voz terrível e espantosa do juiz que envia uns ao fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos e fecha para outros as portas depois de todo o trabalho da virgindade. Alí mandará a seus ministros; a uns, que amarrem em feixes a cizânia e a atirem ao forno de fogo; a outros, que atem os pés e as mãos a alguns e os lancem nas trevas exteriores, onde será irremediável o ranger dos dentes. E castigará com o mais doloroso e duro suplicio alguém, só por ter olhado com olhos intemperantes; a outro, por ter se divertido fora do tempo; a outro, por haver condenado sem exame o seu próximo; a outro, só por ter pronunciado uma maldição. Pois, ainda que para estas coisas exista castigo determinado, não há mais que fazer senão ouvir como nos diz e ameaça o mesmo que há de nos aplicar os suplícios.

Uma vez saídos deste mundo, todos teremos que nos apresentar, obrigatoriamente, perante este juiz; forçosamente veremos aquele dia em que tudo ficará patente e desnudado, não só nossas obras e palavras, mas nossos próprios pensamentos.