SÃO PAULO TAMBÉM FALA SEM DISTINÇÃO DE MONGES E DE LEIGOS

As Escrituras não conhecem semelhantes distinções, mas querem que todos levem a vida dos monges, mesmo os que têm mulheres. Escuta o que disse Paulo, e quando digo Paulo, outra vez digo Cristo. Escrevendo, pois, Paulo para homens casados e com filhos, exige deles toda a perfeição dos monges. E assim, cortando pela raiz todo o prazer, tanto no vestir como nas comidas, escreve estas palavras:

"Que as mulheres, vestindo-se modestamente, se adornem com pudor e castidade, não com frisos, nem ouro, nem pedras preciosas, nem vestidos luxuosos"
1 Tim 2,9

E em outra vez:

"A que vive entre deleites, vivendo está morta viva".
Ibid. 5,6

E mais:

"Tendo o que comer e o que vestir, contentemo-nos com isto".
Ibid. 6,8

Que maior perfeição pode-se exigir de um monge? E ensinando como se há de dominar a língua, põe outras leis rigorosas e tais que aos próprios monges custa trabalho levar à prática. Porque não condena só toda a desonestidade e grosseria no falar, como as próprias brincadeiras; não só corta das boca dos crentes a ira e a cólera e todo o dito amargo, mas o próprio vozerio:

"Toda a cólera e ira, gritaria e blasfêmia, seja banida dentre vós, junto com toda a maldade".
Ef. 4,31

E isto te parece pouco? Pois espera e ouça o que ele ordena a todos sobre a paciência, muito superior ao que foi dito:

"Que o sol não se ponha sobre a vossa ira. Cuidai que ninguém retribua a outro o mal pelo mal, mas segui sempre o bem, entre vós mesmos e com todos".

E outra vez:

"Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem"
1 Tes 5,15; Rom 12,21

Vês como sobe ao cume da própria perfeição da filosofia e da longanimidade?

Pois ouça também o que Paulo ordena sobre a caridade, que é resume e compêndio de todos os bens. Depois de tê-la exaltado e enumerado seus feitos, o Apóstolo deu a entender que exige dos leigos a mesma caridade que Cristo pediu a seus discípulos. Porque do mesmo modo que o Salvador pôs como limite da caridade dar a vida pelos amigos (Jo 15,13); o mesmo deu a entender Paulo quando disse:

"A caridade não busca os seus próprios interesses";
1 Cor 13s

e esta é a que nos manda seguir. De modo que ainda que só isso tivesse dito, isto seria prova suficiente de que exige o mesmo dos leigos e dos monges. Porque a caridade é o vínculo e a raiz de toda a virtude; e de fato nos especifica ponto por ponto. O que se pode buscar, pois, mais alto do que esta filosofia? Mandando-nos, efetivamente, o Apóstolo estar acima da ira, da cólera, da gritaria, da cobiça do dinheiro, do ventre, do luxo, da vaidade e de todos os outros afetos da vida e que nada tenhamos de comum com a terra, e que mortifiquemos nossos membros, é evidente que nos pede a mesma perfeição que Cristo a seus discípulos, e quer que estejamos tão mortos para os pecados, como os que efetivamente já estão mortos e sepultados. De onde diz:

"O que está morto, está justificado do pecado"
Rom 6,7

Ademais há ocasiões em que o Apóstolo nos convida, com sua exortação, à imitação do próprio Cristo e não só à de seus discípulos. Assim, quando nos exorta à caridade, toma os exemplos de Cristo; e o mesmo em relação a não guardar rancor; o mesmo em relação à humildade. Se, pois, Paulo nos manda imitar não só os monges, nem os discípulos de Cristo, mas o próprio Cristo e ameaça com o máximo castigo a quem não o imitar, de onde tiras isto de maior ou menor altura? A verdade é que todos os homens têm que subir à mesma altura, e o que tem transtornado toda a terra é pensar que só o monge está obrigado à maior perfeição enquanto os demais podem viver como lhes agrada. Mas não, não é assim! Todos - diz o Apóstolo - estamos obrigados à mesma filosofia e eu não duvidaria em afirma-lo absolutamente ou, melhor dizendo, não eu, mas Aquele que nos há de julgar.