O EXEMPLO DE ANA, MÃE DE SAMUEL

20.

Houve uma certa Ana, mulher judia (1 Re 1-2). Esta mulher teve só um filho e não tinha esperanças de ter outro, pois este mesmo foi conseguido a duras penas e com muitas lágrimas. Ana era estéril. Mas apesar de ver que por isso uma rival a insultava, nem assim lhe ocorreu nada do que vós fazeis. Tendo tido aquele filho, só consentiu tê-lo consigo o tempo necessário para amamenta-lo. Quando o menino deixou de necessitar deste tipo de alimento, a mãe se apressou a consagra-lo a Deus e desde então não mais o convidou a pisar a casa paterna, pois ele começou a morar continuamente no templo de Deus. Se alguma vez, porém, a mãe desejasse vê-lo, não o chamava a sua casa, mas subia ela ao templo com o pai, mantendo-se à frente, distante dele como de coisa consagrada a Deus. O jovem se tornou tão nobre e tão grande que por sua virtude alcançou que Deus se mostrasse mais uma vez propício ao povo hebreu ao qual havia reprovado pela sua maldade excessiva e não lhes dava seus oráculos nem lhes mostrava visão alguma. Pela virtude deste jovem, pois, Deus voltou a fazer os mesmos benefícios que antes havia retirado e lhes devolveu a profecia que havia desaparecido. E tudo isto conseguiu este jovem antes de ter chegado a maior idade, sendo ainda um menino pequeno:

"Porque não havia então",

diz a Escritura

"visão distinta, e a palavra era preciosa".
1 Re 3,1

E, contudo, nestas circunstâncias, Deus dava a ele continuamente seus oráculos. Tal ganho nos seguirá sempre se cedermos a Deus o que possuímos, e desprendermos de tudo , não só de nosso dinheiro e bens , mas de nossos próprios filhos. Pois se temos o mandamento de fazer isso em relação a nossa própria alma, quanto mais em relação a todas as outras coisas.

Isso mesmo fez o patriarca Abraão, e até muito mais do que isso, e por isso também recuperou com mais glória seu filho. E é assim que então realmente possuímos nossos filhos, quando os entregamos ao Senhor. Ninguém os há de proteger melhor do que Ele, pois ninguém como Ele cuida deles. Não vês como isto acontece nas casas dos ricos? Ali se pode ver como os escravos que habitam em suas casas com seus pais não brilham tanto nem têm tanto valor para os seus senhores; ao contrário, aqueles que estes separam de seus pais e destinam a seu próprio serviço e à custódia de suas dispensas, estes são os que gozam de maior favor e confiança e brilham em relação a seus companheiros como os senhores em relação a seus escravos . Pois se os homens se mostram tão bons e benévolos com seus serviçais, muito mais aquela bondade infinita que é Deus.