| 
Tudo isto digo agora, para que saibamos que Deus não levará com 
paciência o descuido daqueles por quem Ele tanto se preocupa. Porque 
não é possível que uma pessoa tenha tão grande empenho por alguém 
e, ao mesmo tempo não se importe que o mesmo seja depreciado. Não, 
não se despreocupará Deus , mas se ofenderá e se irritará 
veementemente, como os próprios fatos demonstraram. Por isso o 
bem-aventurado Paulo nos exorta dizendo: 
 
 | 
 | 
 
"Pais, criai vossos 
filhos na disciplina e correção do Senhor".
 | 
 | 
  
Porque 
se a nós ordena zelar por suas almas como quem há de prestar contas 
por elas (Hebr. 13,17), com maior razão o pai que os gerou, 
os criou e que convive constantemente com eles. E como o pai não tem 
escapatória nem desculpa de seus próprios pecados, assim tampouco em 
relação aos pecados de seus filhos. E isto foi também o 
bem-aventurado Paulo quem nos manifestou. Efetivamente, ao dar o 
Apóstolo leis sobre as qualidades que deverão ter aqueles que hão de 
mandar nos demais, entre todas as outras que indubitavelmente deverão 
adorna-los, exige também esta do cuidado dos filhos (1 Tim 
3,4), dando a entender que não teremos perdão se eles se 
perderem. 
  
E com muita razão. Porque se a maldade chegasse aos homens pela lei 
da natureza, poderíamos nos acolher em alguma razoável defesa; mas 
como somos bons ou maus pelo livre arbítrio, que razão de boa 
aparência pode alegar o que deixa que se extravie e se corrompa aquele 
a quem ama sobre tudo o mais? Dirá que não quis faze-lo bom? Mas 
não haverá pai que diga semelhante coisa, pois a própria natureza é 
estímulo bastante para despertá-lo para isso. Dirá que não 
pôde? Tampouco, porque o fato de tomar a criança quando ainda 
branda cera e ser sobre ele o primeiro e único poder e tê-lo sempre 
em casa, são coisas que fazem fácil e totalmente praticável seu 
governo. De sorte que não se pode achar outra origem para o extravio 
dos filhos que o louco afã das coisas terrenas. O não olhar senão 
para elas, o não querer que nada seja considerado acima delas, obriga 
a se descuidar tanto da própria alma como também da dos filhos. A 
estes pais (e que ninguém pense que é a ira que inspira as minhas 
palavras) eu não teria dificuldade em qualificar como piores que os 
assassinos de seus próprios filhos. Os assassinos, apesar de tudo, 
só separam a alma do corpo; mas os pais negligentes lançam juntos 
corpo e alma na fogueira do inferno. E a morte do corpo é necessidade 
inevitável da natureza; mas a da alma, se não fosse acarretada pela 
negligência dos pais, seria evitável. Ademais, a morte do corpo 
ficará rapidamente reparada com a chegada da ressurreição da carne; 
mas a perdição da alma não admite consolo possível, pois já não a 
espera mais salvação alguma, mas terá que sofrer, forçosamente, 
os tormentos eternos. De modo que, não sem razão, podemos afirmar 
que tais pais são piores que os assassinos de seus filhos. Não, 
não é crime tão horrível aguçar a espada, armar a destra e 
umedece-la na própria garganta do filho, quanto perder e corromper 
uma alma, pois nada temos comparável a ela. 
  |  |