São Dionísio Areopagita

- primórdios do Cristianismo -

A HIERARQUIA CELESTE


CAPÍTULO PRIMEIRO

1.

"Todo dom excelente e toda a dádiva perfeita vem do alto, desce do Pai das luzes" (Tg. 1, 17). Mais ainda, a Luz procede do Pai, difunde-se copiosamente sobre nós e com o seu poder unificante nos atrai e nos conduz ao alto. Faz-nos retornar à unidade e à deificante simplicidade do Pai, congregados nEle. "Porque dEle e para Ele são todas as coisas", como diz a Escritura.

2.

Invoquemos, pois, a Jesus, a Luz do Pai, "a luz verdadeira que vindo a este mundo, ilumina a todo homem" (Jo. 1, 9), "por quem obtivemos acesso" (Rom. 5, 2; Ef. 2, 18; 3, 12) ao Pai, à luz que é fonte de toda a luz. Fixemos o olhar o melhor que pudermos nas luzes que os Padres nos transmitem pelas Sagradas Escrituras. Tanto quanto nos seja possível, estudemos as hierarquias dos espíritos celestes conforme a Sagrada Escritura nos revelou de modo simbólico e anagógico. Fixemos atentamente o olhar imaterial do entendimento na luz transbordante mais que fundamental, que se origina do Pai, fonte da Divindade. Por meio de figuras simbólicas, ilustra-nos sobre as bem-aventuradas hierarquias dos anjos. Elevemo-nos, porém, sobre esta profusão luminosa, até o puro Raio de Luz em si mesmo.

De fato, este Raio de Luz não perde nada de sua própria natureza, nem de sua íntima unidade. Ainda quando atua e se multiplica exteriormente, como é próprio de sua bondade, para enobrecer e unificar os seres que estão sob a sua providência, permanece, no entanto, interiormente estável em si mesmo, absolutamente firme, em imóvel identidade. Dá a todos, na medida de suas forças, poder para elevar-se e unir-se a Ele segundo sua própria simplicidade.

Porém este Raio divino não poderá iluminar-nos se não estiver espiritualmente velado na variedade das sagradas figuras, acomodadas ao nosso modo natural e próprio, segundo a paternal providência de Deus.

3.

Pelo que nossa sagrada hierarquia foi estabelecida por disposição divina imitando as hierarquias celestes que não são deste mundo. Mas as hierarquias imateriais se revestiram de múltiplas figuras e formas materiais para que, conforme a nossa maneira de ser, nos elevemos analogicamente a partir destes sinais sagrados até a compreensão das realidades espirituais, simples, inefáveis. Nós, os homens, não poderíamos de nenhum modo elevar-nos por via puramente espiritual a imitar e contemplar as hierarquias celestes sem a ajuda de meios materiais que nos guiem conforme requer nossa natureza.

Qualquer pessoa, ao refletir, dá-se conta de que a beleza aparente é sinal de mistérios sublimes. O bom odor que sentimos manifesta a iluminação intelectual. As luzes materiais são imagens da copiosa efusão da luz imaterial. As diferentes disciplinas sagradas correspondem à imensa capacidade contemplativa da mente. As ordens e os graus daqui debaixo simbolizam as harmoniosas relações do Reino de Deus. A recepção da Sagrada Eucaristia é sinal da participação em Jesus, e o mesmo sucede com os seres no Céu que de modo transcendente recebem os dons que nos são dados simbolicamente.

A fonte da perfeição espiritual nos forneceu imagens sensíveis que correspondem às realidades imateriais do Céu, pois cuida de nós e quer fazer-nos à sua semelhança. Deu-nos a conhecer as hierarquias celestes; instituíu o colégio ministerial de nossa própria hierarquia à imitação da celeste, tanto quanto era possível, em seu divino sacerdócio. Revelou-nos tudo isto por meio das santas alegorias contidas nas Sagradas Escrituras, para elevar-nos espiritualmente desde o sensível e conceitual, através dos símbolos sagrados, até o cume simplíssimo daquelas hierarquias celestes.