CAPÍTULO DÉCIMO

1.

Concluímos, portanto, que o primeiro grupo dos seres inteligentes mais próximos de Deus está hierarquicamente ordenado pelas iluminações procedentes do Princípio de toda perfeição e eleva-se até Ele sem necessidade de intermediário. Eles obtém a purificação, iluminação e perfeição graças ao dom de secretas e resplandecentes luzes da Deidade. Luzes mais secretas porque são mais intelectuais, mais unificadoras e unificantes. Mais brilhantes porque recebem-nas diretamente, antes que ninguém em sua totalidade. Projetam-se com tanto maior fulgor quanto mais próximas estejam de seu manancial.

Depois desta ordem, temos a segunda, e em seguida a terceira. Depois a nossa hierarquia, conforme à sua própria natureza e ao disposto pela harmoniosa fonte, com divina equidade, para que toda a ordem se eleve até o Princípio e o Término de toda a harmonia, muito acima de qualquer outro princípio.

2.

Cada uma das ordens é portadora de revelações e notícias das ordens que a precedem. A primeira o transmite diretamente de Deus, enquanto que as outras, conforme sua posição, o comunica segundo o recebem de seus anteriores a quem Deus o inspirou. Porque a harmonia supraessencial do universo dispôs providencialmente sobre todos os seres dotados de razão e inteligência a fim de que sejam retamente dirigidos e santamente elevados. De maneira apropriada ao caráter sagrado de cada uma, esta harmonia ordenou os grupos distribuindo-os hierarquicamente, conforme vimos, em poderes superiores, médios e inferiores. Ademais, distribuiu-os eqüitativamente segundo o grau de participação divina que cada uma possui. Mais ainda, os teólogos nos dizem que os santíssimos serafins se "aclamam uns aos outros" (Is. 6, 3), com o que, segundo o entendo, manifestam que os da primeira hierarquia transmitem aos demais o que conhecem de Deus.

3.

Há algo mais que posso razoavelmente acrescentar aqui. Cada inteligência, celeste ou humana, possui seu próprio conjunto de primeiras, médias e ínfimas ordens e poderes, que manifestam, na proporção de suas capacidades, a faculdade de elevar-se, como fica dito, segundo as elevações hierárquicas próprias de cada uma. Conforme a esta ordenação, cada uma das hierarquias, na medida de suas possibilidades e em que lhe é permitido, participa daquela Purificação que excede a toda purificação; daquela luz superabundante, daquela Perfeição que está acima de toda purificação. Não há nada absolutamente perfeito. Nada que não tenha necessidade de aperfeiçoar-se. Somente o Ser realmente perfeito em Si mesmo, acima de toda a perfeição.