CAPÍTULO TERCEIRO

1.

Em meu julgamento, hierarquia é uma ordem sagrada, um saber e atuar o mais próximo possível da Deidade. Elevam-se a imitar a Deus proporcionalmente às luzes que dEle recebem. A Beleza de Deus tão simples, tão boa, origem de toda a perfeição, não admite em si a menor dessemelhança. Dispensa a todos, segundo o mérito de cada um, sua luz e aperfeiçoa-os revestindo-os misteriosa e estavelmente de sua própria forma.

2.

A hierarquia, portanto, tem como fim conduzir as criaturas, tanto quanto seja possível, à semelhança e união com Deus. Uma hierarquia tem a Deus como mestre de todo saber e ação. Não deixa de contemplar sua diviníssima beleza. Leva em si a marca de Deus. Faz com que seus membros sejam imagens dEle sob todos os aspectos, espelhos transparentes e sem mancha (Sab. 7, 26), refletindo o brilho da luz primeira e de Deus mesmo. Assim que seus membros tenham recebido a plenitude de seu divino esplendor, transmitem generosamente a luz, conforme ao plano de Deus, a aqueles que os seguem na escala.

Seria grave êrro para os santos guias, assim como para aqueles que aprendem deles, fazer algo contra as disposições sagradas daquele que, em última análise, é a fonte da perfeição. A desobediência, especialmente para aqueles que anelam o divino esplendor de Deus e fixaram para sempre o olhar naquele fulgor, seria um êrro. É o que convém ao seu caráter sagrado, e mais, se estão configurados, na medida de suas forças, com aquela luz.

Assim é que o nome de hierarquia designa uma disposição sagrada, imagem da beleza de Deus, que representa os mistérios da própria iluminação, graças à ordem sagrada de seu grau e de seus saberes. Assemelha-se à própria fonte e, na medida do possível, configura-se com sua própria origem. Porque a perfeição de cada um dos que estão nesta sagrada ordem consiste principalmente em que, segundo a própria capacidade, tenda à imitação de Deus. Mais admirável ainda, chega a ser, como diz a Escritura, "cooperador de Deus" (I Cor. 3, 9; I Tess. 3, 2) e reflexo da atividade divina na medida do possível.

Por isso, quando a ordem sagrada dispõe que uns sejam purificados e outros purifiquem, uns sejam iluminados e outros iluminem, uns sejam aperfeiçoados e outros aperfeiçoem, cada um imitará a Deus de fato segundo o modo que convenha à sua função própria. O que nós chamamos bem-aventurança de Deus é livre de toda dessemelhança. É plena de luz, sempiterna, perfeita, sem que lhe falte nada. Ela é a que purifica, ilumina e aperfeiçoa. Ou melhor, é a santa purificação, iluminação, perfeição. Está acima de toda purificação, acima de toda iluminação; é a verdadeira fonte de perfeição, mais que perfeita. Causa de toda a hierarquia, ultrapassa em muito todo o sagrado.

3.

Em meu parecer, os já purificados estão perfeitamente limpos de toda mancha e livres da menor dessemelhança. Creio que todos os que recebem a iluminação sagrada estão cheios de luz divina e levantam os santos olhos da mente até alcançar plena capacidade de contemplação. Finalmente, penso que os perfeitos, longe já de toda imperfeição, devem unir-se aos que contemplam os santos mistérios com ciência perfeccionante.

Justo é que os que purificam façam participar a outros de sua abundante pureza. É justo também que os que iluminam, mentes mais transparentes do que as outras, gozosamente plenos de sagrado fulgor e capazes tanto de receber como de transmitir a luz, a transbordem em todo lugar e a difundam entre os que sejam dignos dela. Por último, penso que os que têm o ofício de criar perfeição, muito entendidos na doutrina perfeccionante, devem fazer que os perfeitos cheguem a ser como eles, instruindo-os na doutrina sagrada do que já contemplam devotamente.

Resulta, portanto, que cada ordem da hierarquia sagrada, segundo o correspondente a cada uma, eleva-se até a cooperação com Deus. Com a graça e o poder que Deus concede faz coisas que naturalmente são próprias da Deidade. Algo que Ele realiza supraessencialmente e em seguida o revela pela hierarquia às inteligências que amam a Deus, para que estas o imitem dentro do possível.