IV.14.

A percepção total da atividade cognoscitiva.

Já examinamos como segundo S. Tomás de Aquino é possível dentro do âmbito do próprio sentido a percepção da apreensão sensível. Esta percepção é realizada pela imaginação, ligada aos sentidos internos do homem.

Ficou para ser explicado como percebemos que percebemos as operações do sentido. No De Anima Aristóteles levantou esta questão, mas não a respondeu. Tomás de Aquino, comentando a passagem (56), levantou também a questão, mas igualmente não a respondeu. Os elementos e os princípios da resposta que teria dado encontram-se espalhados pelo restante de suas obras.

O que o sentido vê é o sensível externo, mediante uma forma sensível impressa pelo objeto no sentido. Esta forma sensível, continuando a existir como fantasia mesmo após a cessação das ações do sensível externo, faz com que os sentidos internos possam perceber que vemos. Os sentidos internos vêem a cor, não a cor do objeto, mas a fantasia, isto é, a cor tal como foi vista pelos olhos; ao fazerem isto, podem julgar acerca da percepção do órgão provocado pelo sensível externo.

Ora, a fantasia por sua vez é objeto da inteligência. Através da inteligência será possível perceber que percebemos a operação dos sentidos. E também, além disso, ao contrário dos sentidos, a inteligência pode perceber a percepção que ela própria tem das atividades das demais faculdades que lhe são anteriores. A inteligência pode fazer isto por causa da sua imaterialidade. Há duas passagens da Summa contra Gentiles que mostram ser esta a opinião de S. Tomás:

"Nenhum sentido conhece a si mesmo
nem à sua operação;
a vista, de fato, não vê a si mesma
nem se vê estar vendo.
Isto é algo que pertence
a uma potência superior.

O intelecto, porém,
conhece a si mesmo
e se conhece inteligir"
(57).

"A ação de nenhum corpo
se reflete sobre o próprio agente,
(isto é, nenhum agente corporal
pode mover a si próprio).
De fato, demonstra-se
no VII e no VIII Livros da Física
que nenhum corpo pode mover a si mesmo
senão segundo a parte,
isto é, na medida em que uma parte
seja movente e a outra movida.
Ora, o intelecto agindo
se reflete sobre si mesmo,
pois intelige a si próprio,
não apenas segundo uma parte,
mas segundo o todo.
Portanto, não é um corpo"
(58).

Estas passagens mostram que, segundo S. Tomás, somente uma faculdade imaterial pode apreender-se a si mesma. O sentido, sendo corporal, não pode apreender-se senão em parte, na medida em que uma parte, o sentido interno, apreende a atividade do sentido próprio; mas não há uma outra parte do sentido que possa depois apreender a atividade do sentido interno. Esta só pode ser apreendida pela inteligência, que por fim, por ser imaterial, apreende também a si própria.

Isto significa que os animais brutos possuem alguma percepção de sua própria atividade cognoscitiva, mais ou menos perfeita de acordo com a perfeição de seus sentidos próprios e internos, mas sempre parcial. Não possuindo intelecto, para que um animal pudesse ter uma percepção total de sua atividade cognoscitiva teria que possuir um número infinito de faculdades sensitivas, o que é impossível. Somente no homem, em virtude da imaterialidade da atividade do intelecto, é que é possível uma percepção total da atividade cognoscitiva.

Por que o intelecto pode perceber sua própria atividade e o sentido não?

Porque o intelecto, por causa de sua imaterialidade, é capaz de uma abstração que vai até o ser; ele apreende todas as coisas sob a razão do ser; o ser se estende a todas as coisas sem exceção; ele pode apreender, por isto, o próprio ato de sua intelecção não enquanto uma intelecção mas enquanto ser; e daí, pelas propriedades que se seguem ao ser enquanto tal, pode por inferência conhecer não apenas a sua própria atividade, mas até a si mesmo, isto é, a própria faculdade em que se produz aquela atividade.

Já o sentido percebe a forma sensível do objeto em um órgão corporal; a matéria em que é recebida esta forma é a matéria do órgão do sentido; não é a mesma, nem é semelhante à do objeto, mas sua presença é suficiente para que a forma recebida seja recebida como a de um objeto individualizado; o sentido é capaz da abstração que separa a cor do som ou uma qualidade da outra, mas não é capaz de uma abstração que ultrapasse a individualidade do objeto; a forma recebida, ademais, por ser impressa pelo objeto que age pela sua forma própria, só pode ser uma semelhança da forma deste objeto; só pode levar, portanto, a uma representação individualizada do objeto sensível, não do próprio ato de sentir.

Podemos perceber este ato de sentir na medida em que pela fantasia nos lembramos da coisa vista, percebendo que a coisa vista não está mais presente; daí pode-se fazer uma representação sensível do ato de ver, não porém desta nova percepção.

Para perceber esta outra percepção pode-se depois, pela própria fantasia, lembrar-se do ato precedente da fantasia, e com isto podemos perceber que percebíamos o ato de ver, não porém esta nova percepção pela qual percebemos a anterior. E assim sucessivamente, o sentido só poderia ter uma consciência total de si mesmo mediante um número infinito de faculdades ou um número infinito de atos.

Daí pode-se tirar uma conclusão à primeira vista surpreendente: toda vez que o homem experimenta uma percepção total de sua própria atividade cognitiva, nesta atividade está envolvida necessariamente uma atividade da inteligência abstrata enquanto tal, ainda que, aparentemente, o homem não esteja raciocinando. Por outro lado, muitas atividades que o homem atribui corriqueiramente ao uso do intelecto, na verdade não passam de uma atividade da fantasia; nisto já demos um exemplo no caso do homem a quem se pediu que pensasse em um quadrado; a mesma coisa seria possível de se dizer no caso de um homem a quem se pedisse que pensasse no que ele fêz no dia anterior; para muitas pessoas, estes supostos pensamentos não passarão de um ato material dos sentidos internos.



Referências

(56) In librum De Anima Commentarium, L. III, l. 2, 586.
(57) Summa contra Gentiles, II, 66.
(58) Idem, II, 49.