V.9.

A virtude é um hábito eletivo que opera, segundo a reta razão, o termo médio.

Conforme foi dito no ítem anterior, a natureza da virtude é tal que ordena a potência à sua perfeição; esta perfeição, devido à natureza humana, consiste em que a potência opere segundo a razão. Assim, a razão tem para com a virtude a natureza de medida, a virtude sendo hábito bom segundo sua concordância com a medida.

Toda medida pode corromper-se por deficiência ou excesso; portanto, na medida em que a operação perfeita determinada pela virtude moral consiste em sua adequação à medida da razão, diz-se que a virtude moral determina a operação das potências a um termo médio entre um excesso e uma deficiência (44).

As operações da virtude podem corromper-se tanto por excesso como por defeito, do que pode-se dar um exemplo mais evidente nos hábitos corporais: a força do corpo pode corromper-se pelo excesso do exercício como também pela ausência do exercício; o mesmo ocorre com a saúde, que pode corromper-se pela quantidade excessiva como pela quantidade deficiente do alimento. Assim também ocorre com as virtudes da alma: aqueles que tudo temem e fogem, nada enfrentando de terrível, se tornam tímidos; aqueles, por outro lado, que nada temem e se precipitam a todos os perigos se tornam (temerariamente) audazes; de onde que se conclui que a virtude da fortaleza consiste num termo médio (45), isto é, enfrentando os perigos segundo a regra da razão, no lugar e tempo oportunos e por um motivo adequado (46).

O termo médio da virtude não é único nem idêntico para todos. Ele deve ser tomado, de acordo com as circunstâncias, não de modo absoluto, mas em relação a nós. Por exemplo, se dez é uma quantidade excessiva de alimento e dois uma quantidade pequena, seis é a média entre ambos estes valores; mas isto não quer dizer que o mestre de ginástica irá prescrever seis porções de alimento a todos os atletas, pois estas seis porções poderão ser, de acordo com a pessoa, excessivas ou insuficientes. Na ciência moral, portanto, o homem deve fugir do excesso e da deficiência e investigar o que é o termo médio, não segundo a coisa, mas em relação a nós (47).

Toda a bondade da virtude moral depende da razão; o bem convém à virtude moral na medida em que esta siga a reta razão (48). Por isso alguém pode pecar de muitas maneiras, mas o agir corretamente ocorre somente de um único modo. De fato, o bem se dá por uma única e íntegra causa, mas o mal por causa de defeitos singulares. Por exemplo, a feiúra, que é o mal da forma corporal, ocorre se qualquer membro do corpo se achar indecente; mas a beleza não se dá a não ser que todos os membros sejam bem proporcionados e coloridos. De modo semelhante, o mal acontece nas ações humanas em havendo qualquer circunstância desordenada, tanto segundo o excesso como segundo o defeito. Mas a sua retidão não se dará a não ser ordenando todas as circunstâncias do modo devido. De onde se vê que pecar é fácil, porque isto acontece de muitas formas, mas agir corretamente é difícil, porque isso não acontece a não ser de uma única maneira (49).

Ora, é evidente que o excesso e o defeito acontecem de muitas maneiras, enquanto que o termo médio acontece de um único modo; daqui fica manifesto que o excesso e o defeito pertencem aos vícios, enquanto que o termo médio pertence à virtude, porque o bem ocorre sempre de um só modo, conforme explicado, mas o mal de múltiplas maneiras, conforme também explicado (50).

Há, porém, certas ações e paixões que por sua própria natureza implicam malícia, como alegrar-se com o mal, o adultério, o furto, o homicídio. Todas estas coisas e outras semelhantes são más por si mesmas e não somente segundo o excesso ou o defeito que nelas possa haver. Nestas coisas nunca acontecerá que alguém aja corretamente qualquer que seja a maneira com que opere (51). A justificativa para que isto tenha que ser assim não é que a regra do termo médio tenha exceção; ao contrário, a explicação é que o termo médio não é determinado absolutamente e segundo a coisa, mas pela razão e em relação a nós; esta determinação em algumas matérias pode concluir pela total abstenção da ação.

Por isto pode-se, de um modo geral, dizer-se que a virtude é um termo médio entre duas disposições viciosas, uma por excesso e outra por defeito (52).

Mais ainda, pode-se dizer também que a virtude costuma ser mais contrariada por um dos extremos do que pelo outro, dependendo da natureza da paixão a que diga respeito. Em alguns casos o termo médio da virtude é mais contrariado pelo vício que está em defeito, enquanto que em outros o termo médio é mais contrariado pelo vício que está em excesso.

Por exemplo, a fortaleza não é maximamente contrariada pela audácia, que pertence ao excesso, mas pela timidez, que pertence ao defeito (53).

Inversamente, a temperança não é maximamente contrariada pela insensibilidade, que pertence ao defeito, mas pela intemperança, que pertence ao excesso (54). Isto não significa, acrescenta Tomás de Aquino, que o voto de castidade, que se abstém completamente do prazer venéreo, seja a mesma coisa que o vício da insensibilidade. Primeiro, porque pelo voto de castidade o homem se abstém apenas dos prazeres venéreos, e não universalmente de todos os prazeres; ademais, porque pelo voto de castidade o homem se abstém da deleitação venérea por razões convenientes. Votar castidade seria um vício se fosse feito por causa de superstição ou por vanglória, isto é, por razões não retas (In libros Ethicorum Expositio, L. II, l. 2, 263; Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 64 a.1 ad 3).

Cada virtude costuma ser mais contrariada por um dos extremos do que pelo outro segundo que um destes extremos seja mais semelhante ao termo médio da virtude do que o outro (55).

Por sua vez, o fato de que um dos extremos seja mais próximo e semelhante ao termo médio da virtude ocorre porque há duas maneiras de uma paixão corromper o bem da razão.

A primeira é pela veemência, compelindo a fazer mais do que a razão dita, como no caso das deleitações; por isso a virtude que diz respeito a estas paixões tende principalmente a reprimí-las, fazendo com que o vício pelo defeito mais se assemelhe à virtude do que o vício por excesso (56).

A segunda é pela fuga, compelindo a fazer menos do que a razão dita, que é o caso do temor e de outras paixões que têm natureza de fuga; por isso a virtude que diz respeito a estas paixões tende principalmente a incentivar a ação do que a reprimí-la, de onde que o vício por excesso mais se assemelhará com a virtude do que o vício por defeito (57).

De tudo quanto foi dito deve-se, portanto, concluir que a virtude é um hábito eletivo pelo qual uma potência opera o termo médio determinado pela razão em relação a nós (58).



Referências

(44) Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 64 a.1.
(45) In libros Ethicorum Expositio, L. II, l. 2, 262-263.
(46) Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 64 a.1 ad 2.
(47) In libros Ethicorum Expositio, L. II, l. 6, 310-314.
(48) Idem, L. II, l. 7, 326. (49) Idem, L. II, l. 7, 319-320. (50) Idem, L. II, l. 7, 321. (51) Idem, L. II, l. 7, 329. (52) Idem, L. II, l. 10, 358. (53) Idem, L. II, l. 10, 365. (54) Idem, loc. cit.. (55) Idem, L. II, l. 10, 365-366. (56) Idem, L. II, l. 10, 367. (57) Idem, loc. cit.. (58) Idem, L. II, l. 7, 322.