V.12.

A Virtude da fortaleza.

A fortaleza é um termo médio acerca das paixões do temor e da audácia. A fortaleza implica em uma certa firmeza de ânimo, pela qual a alma permanece imóvel diante do temor do perigo da morte (68).

Não é a verdadeira fortaleza aquela que diz respeito ao temor do perigo da infâmia, da pobreza ou de males pessoais diversos (69), nem da morte que alguém enfrenta em qualquer caso ou negócio, como no mar ou na enfermidade, mas aquela que é acerca da morte que alguém enfrenta por coisas ótimas, como quando alguém morre na guerra por causa da defesa da pátria (70).

Acontece às vezes que alguém teme o perigo da morte mais ou menos do que a razão julga, e, mais ainda, poderá acontecer que coisas que não sejam terríveis sejam tomadas como terríveis, e nisto consiste o pecado do homem, que é principalmente contra a reta razão. Quem enfrenta o que é necessário enfrentar, e foge por temor das coisas que é necessário evitar, e faz isso por causa do que é necessário, e do modo pelo qual é necessário, e quando é necessário, este é chamado forte (71).

Já os audazes diante dos perigos correm em direção aos mesmos com velocidade e com ardor, porque são movidos pelo ímpeto da paixão além da razão. Quando, porém, estão nos próprios perigos desistem, porque o movimento da paixão precedente é vencido pela dificuldade iminente. Os fortes, porém, quando estão nas próprias obras difíceis, são perspicazes, já que o julgamento da razão pela qual agem não é vencido por nenhuma dificuldade; e antes que se lancem aos perigos, se mantém calmos, porque não agem pelo ímpeto da paixão, mas pela deliberação da razão (72).

Aquele que enfrenta a morte para fugir de incômodos não é forte, mas tímido. Quem se sujeita livremente à morte para que possa fugir da pobreza ou de qualquer outra causa que provoque tristeza não é movido pela virtude da fortaleza, mas pela timidez, porque esta atitude provém na verdade de uma fraqueza da alma pela qual alguém não consegue sustentar trabalhos e tristezas e também porque a morte não é enfrentada por causa do bem honesto, mas pela fuga de um mal que entristece (73).

Existem cinco fortalezas cujos atos se assemelham aos da verdadeira fortaleza, sem que, contudo, sejam a verdadeira fortaleza.

A primeira e a mais semelhante com a verdadeira fortaleza é a fortaleza política, pela qual alguém enfrenta os perigos de morte por causa da honra que daí lhes advirá (74).

A segunda, que já se assemelha menos, é a fortaleza militar, na qual o homem enfrenta os perigos por causa de que a perícia que tem nas armas lhe mostra não ser perigoso combater em tal ou qual guerra (75). Na guerra existem muitas coisas que suscitam temor aos inexperientes, embora apresentem pouco ou nenhum perigo, como o barulho das armas, do ajuntamento dos cavalos e outras assim. Estas coisas são conhecidas não serem terríveis principalmente através da experiência; daí se segue que algumas pessoas que se intrometem sem temor nestas coisas parecem fortes, enquanto que as mesmas coisas parecem perigosas aos inexperientes, por desconhecimento do que sejam (76). Ademais, a experiência dos soldados faz com que eles saibam como atingir os adversários sem ser atingidos por eles; de onde que tais soldados na verdade não possuem a virtude da fortaleza, mas lutam com os outros como os armados com os desarmados (77). Tais soldados agem com fortaleza enquanto não percebem a iminência do perigo; mas quando o perigo excede a perícia que eles possuem nas armas ou quando não têm consigo os equipamentos bélicos adequados, então se tornam tímidos, tornando-se os primeiros a fugirem. De fato, não eram audazes senão porque pensavam que o perigo não lhes era iminente (78).

A terceira fortaleza, que se assemelha ainda menos à verdadeira fortaleza, é a fortaleza pela ira. Os homens, no seu falar usual, confundem o furor com a fortaleza. A fortaleza, de fato, tem uma certa semelhança com o furor, na medida em que o furor induz ao perigo com máximo ímpeto, e o forte com grande virtude de alma tende ao perigo. Mas os verdadeiros fortes não são impelidos a executarem a obra da fortaleza pelo ímpeto do furor, mas pela intenção do bem; o furor se acha em seus atos apenas secundariamente, ao modo de cooperante. Na verdadeira fortaleza o furor deve seguir a eleição, e não precedê-la (79).

O quarto modo da falsa fortaleza, que muito pouco se assemelha à verdadeira fortaleza, é o da fortaleza pela esperança. Os fortes pela esperança são aqueles que por terem vencido muitas vezes os perigos existentes confiam também agora obter a vitória, não por causa de alguma perícia que tenham alcançado pela experiência, mas por causa apenas da confiança que recebem das freqüentes vitórias. Assim como aqueles que agem com fortaleza por causa da ira não são os verdadeiros fortes, assim também aqueles que agem somente por causa da esperança da vitória não são os verdadeiros fortes. Eles enfrentam os perigos com audácia porque se julgam melhores na luta e em nada atingíveis pelo adversário; nisto são semelhantes aos bêbados que por causa do vinho são invadidos pela esperança. Porém, quando aos tais não acontece o que esperam, não persistem e se põem em fuga (80).

A pior de todas as falsas fortalezas é a fortaleza por ignorância. Aqueles que ignoram os perigos parecem ser fortes na medida em que enfrentam audaciosamente as coisas que são perigosas, já que não lhe vêem o perigo; por isso não diferem muito dos que são fortes por causa da boa esperança. Todavia, os que são fortes pela esperança ainda conhecem como são em si as coisas que enfrentam, enfrentando-as, porém, apenas porque não as consideram perigosas. Já os ignorantes não estimam as coisas que enfrentam serem perigosas em si mesmas consideradas, e nisto são tanto piores do que os que são de boa esperança quanto nenhuma dignidade têm, já que enfrentam o perigo somente por defeito de ciência. De fato, aqueles que são de boa esperança ainda chegam a permanecer nos perigos por algum tempo depois que já o reconheceram, até que o tamanho do perigo supere a sua esperança; mas os que são fortes por ignorância assim que conhecem ser a coisa diferente do que supunham colocam-se imediatamente em fuga (81).

A verdadeira fortaleza é uma virtude que se encontra como termo médio segundo a reta razão acerca dos temores e audácias por causa do bem (82), e é mais louvável do que a temperança, porque o louvor da virtude consiste principalmente em que alguém opere acerca das coisas difíceis e é mais difícil que alguém sustente o que é contristante, o que pertence à fortaleza, do que se abstenha das coisas que são deleitáveis, o que pertence à temperança (83).



Referências

(68) In libros Ethicorum Expositio, L. III, l. 14, 529; l. 14, 536.
(69) Idem, L. III, l. 14, 533-535. (70) Idem, L. III, l. 14, 537. (71) Idem, L. III, l. 15, 546; l. 15, 548. (72) Idem, L. III, l. 15, 556. (73) Idem, L. III, l. 15, 557. (74) Idem, L. III, l. 16, 562. (75) Idem, L. III, l. 16, 567. (76) Idem, L. III, l. 16, 568. (77) Idem, L. III, l. 16, 568. (78) Idem, L. III, l. 16, 570. (79) Idem, L. III, l. 17, 571-575. (80) Idem, L. III, l. 17, 577-578. (81) Idem, L. III, l. 17, 580-581. (82) Idem, L. III, l. 18, 594. (83) Idem, L. III, l. 18, 585.