IX.11.

A escolha do governante.

Conforme dissemos, a Monarquia que o Comentário à Política aponta como o regime perfeito nada tem a ver com a formação de uma casa real ou com o poder hereditário. Na sociedade organizada tendo a virtude como fim, o governante deve ser

"escolhido por eleição
e não por sucessão;
apenas acidentalmente
o governante poderia ser melhor
escolhido por sucessão hereditária.
De fato, geralmente o melhor
é mais facilmente encontrado
dentro da multidão
do que ser alguém já determinado;
ademais,
a eleição é um ato da vontade
determinado pela razão"
(65).

Com isto o Comentário dá a entender que na sociedade voltada para a virtude o governante deve ser escolhido, isto é, eleito, e não receber o governo por hereditariedade. Mas a concepção que S. Tomás de Aquino e o Comentário à Política fazem do modo de proceder a esta eleição é totalmente diferente das eleições democráticas. Nas democracias modernas os candidatos interessados em governar fazem campanha para convencerem os eleitores que são as pessoas mais aptas para o governo. Para Tomás de Aquino e os filósofos gregos, entretanto, em uma sociedade voltada para a virtude não poderia haver incoerência maior do que esta. Já vimos no capítulo III e no capítulo VI deste trabalho afirmações de Platão segundo as quais os homens sábios e de virtude não desejam o governo, e mais devem ser forçados a aceitá-lo do que se esperar que o façam espontaneamente. Na Summa Theologiae diz também S. Tomás de Aquino que não é sinal de sabedoria, mas de

"presunção,
que alguém deseje colocar-se
acima dos outros
para que lhes possa fazer o bem"
(66).

Por estes motivos, é de se esperar que numa sociedade perfeita nenhum governante se ofereça para qualquer cargo; muito menos que faça campanha para convencer aos outros de que ele é o melhor; ao contrário, o que é de se esperar é que, na maioria das vezes, sequer desejem o governo. Mas, afirma o Comentário à Política, não é por isso que ele deixará de governar:

"Se alguém for digno de governar",

afirma o Comentário à Política,

"deve assumir o cargo,
quer queira,
quer não queira,
porque o bem comum
deve ser preferido
à vontade própria"
(67).



Referências

(65) In libros Politicorum Expositio, L. III, l. 14, 504.
(66) Summa Theologiae, IIa IIae, Q. 185 a.1.
(67) In libros Politicorum Expositio, L. II, l. 14, 315.