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Muito pouco se sabe sobre a vida de Hugo de São Vitor.
O principal testemunho sobre sua pessoa é a sua própria obra,
cuja luminosidade tão evidente muito nos revela sobre sua pessoa
muito do que seus dados biográficos nos calam.
Hugo de S. Vitor nasceu provavelmente em 1096 em
Hartingam, na Saxônia, no Sacro Império Romano Germânico, filho
de Conrado, Conde de Blackemburg.
Hugo tinha um tio, chamado Reinardo, que em sua
mocidade havia demonstrado inclinação para o estudo e vocação
para a vida religiosa. Ainda jovem, Reinardo transferiu-se para
Paris onde poderia encontrar melhores condições de formação.
Paris era, naquela época, um dos principais centros do
renascimento cultural que então se verificava na Europa.
Em Paris Reinardo fêz amizade com Guilherme de
Champeaux, um sacerdote que durante muitos anos havia-se dedicado
ao magistério mas que, por esse tempo, abandonando a escola,
havia dado início, em um local onde havia uma capelinha dedicada
a São Vitor, a uma comunidade religiosa que acabaria se
transformando mais tarde no mosteiro de São Vitor e
posteriormente em uma uma organização religiosa que se espalharia
pela Europa. Após conviver algum tempo com os primeiros
vitorinos, Reinardo retornou à Saxônia e foi sagrado bispo de
Halberstadt.
Com a intenção de reavivar sua diocese, D. Reinardo
convidou os Cônegos Regulares de São Vitor a se instalarem na
Saxônia, e exortou seu sobrinho Hugo a que estudasse com eles.
Foi desta maneira, através de seu tio bispo, que Hugo veio a
conhecer os Cônegos de São Vitor.
A verdadeira vocação de Hugo não tardou a aparecer;
renunciou à herança do título e do condado de Blackemburg e
resolveu abraçar a observância da regra de Santo Agostinho junto
com os vitorinos.
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"Tivesse se tornado o Conde de Blackemburg",
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diz M. Hugonin,
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"teria se tornado ilustre pelo seu valor em algum
campo de batalha, ou por sua sabedoria no governo de seu condado,
mas seu nome jamais teria chegado até nós. Agora, porém, seu nome
está inseparavelmente ligado às coisas que não perecerão jamais,
à ciência teológica da qual ele foi um dos restauradores, aos
nomes de Pedro Lombardo e de S. Tomás de Aquino, que sempre o
viram como ao seu mestre" (11).
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Enquanto Hugo resolvia-se a abraçar o estado religioso
entre os cônegos de S. Vitor, irrompeu uma guerra em sua terra
natal. D. Reinardo então aconselhou o sobrinho a abandonar a
Saxônia e pedir admissão entre os vitorinos diretamente no
mosteiro de São Vitor em Paris onde outrora ele já havia sido
hóspede. Dificilmente outra decisão poderia ter sido tão
providencial como esta. No mosteiro de São Vitor de Paris estava-
se formando aquela que viria a ser, sob a direção de Hugo, uma
das mais importantes escolas de Teologia da época; esta escola,
juntamente com algumas outras da cidade, iria dentro em breve dar
origem à primeira universidade da civilização ocidental; a regra
do mosteiro de São Vitor, ademais, conferia importância
excepcional ao trabalho dos religiosos que se dedicavam à cópia
de manuscritos, com o que estava-se formando uma importantíssima
biblioteca que daria a Hugo possibilidade de acesso a uma riqueza
de conhecimentos que só com muita dificuldade poderiam ser
obtidos em outros lugares.
Assim, com a idade de dezoito anos, Hugo e seu avô,
também chamado Hugo, atravessaram a Europa e, depois de terem
passado por Marselha, dirigiram-se para Paris onde ambos fizeram
profissão religiosa no mosteiro de S. Vitor provavelmente em 17
de junho de 1115. Dez anos mais tarde Hugo de S. Vitor tornou-se
professor da escola anexa ao mosteiro; mais oito anos e era o
diretor desta mesma escola. Ao cargo de diretor acumulou algum
tempo depois o de prior do mosteiro, o primeiro na hierarquia
depois do abade. Faleceu, finalmente, no mosteiro de S. Vitor em
11 de fevereiro de 1141 em fama de santidade.
Além de suas obras, Hugo nos deixou um discípulo, Ricardo de S.
Vitor, outro jovem que, como ele, tinha se dirigido a S. Vitor
vindo de longe. Ricardo era natural da Escócia e, sob a
orientação de Hugo, tornou-se teólogo não inferior ao mestre; a
reverência e a admiração que Hugo soube conquistar de seu aluno
fizeram com que, após a sua morte, Ricardo desse prosseguimento à
obra de Hugo com uma continuidade tão evidente que as obras de
ambos constituem na verdade um só e mesmo conjunto, num dos
exemplos mais admiráveis que há, neste sentido, em toda a
história da Pedagogia.
Por estas circunstâncias providenciais, às quais se
acrescentaram suas inclinações naturais e o favor da graça
divina, Hugo de S. Vitor veio a ser um dos iniciadores da
escolástica, uma manifestação da Teologia que floresceu de um
modo todo especial durante os séculos dos anos 1100 e 1200, e
cuja expressão máxima são as obras de Santo Tomás de Aquino.
Várias são as características que distinguem de modo
especial a Teologia Escolástica. Além da exatidão da
terminologia, da busca da fundamentação filosófica sempre que
possível, e outras mais, há três características que nos parecem
fundamentais. A primeira é o método dialético, no qual cada
questão é tratada mediante análise prévia de vários argumentos e
contra argumentos, todos os quais, após encontrar-se a solução da
questão, devem ser respondidos um a um. A segunda é a
profundidade da argumentação, em que se procura remontar até às
causas mais remotas e fundamentais e prosseguir daí desde os
princípios encontrados até às suas conseqüências últimas. A
terceira é uma extraordinária capacidade de síntese, pela qual,
através da busca de princípios básicos, harmoniza-se numa só
arquitetura o conjunto da totalidade do conhecimento.
Todas estas três características estão presentes quase
por igual nos escritos de Santo Tomás de Aquino, que, vivendo no
fim dos anos 1200, incorporou em suas obras, além de um profundo
conhecimento dos santos padres, a herança de dois séculos de
trabalho de uma multidão de eminentes teólogos. Mas no início dos
anos 1100 estas mesmas características se encontravam espalhadas
de um modo desigual entre os fundadores da Escolástica.
O método dialético, ao que parece, foi introduzido
pela primeira vez por Pedro Abelardo, que numa obra conhecida por
Sic et Non organizou, para uma série de questões, uma compilação
de argumentos e contra argumentos tirados das Escrituras e das
obras dos Santos Padres.
O raciocínio que, fundamentado nos dados da revelação,
parte para a busca das causas e das conseqüências últimas, tal
como é característico da Escolástica, encontra-se entre os seus
fundadores de um modo particularmente eminente nos escritos de
Santo Anselmo de Cantuária.
A capacidade de síntese, porém, talvez a mais
importante delas, é previlégio indiscutível de Hugo de S. Vitor.
Sua obra De Sacramentis Fidei Christianae, título que na
terminologia usada por Hugo pode ser aproximadamente traduzido
como Os Mistérios da Fé Cristã, é um trabalho de síntese como até
então não se havia visto nada de semelhante na história do
Cristianismo; foi dali que surgiriam posteriormente toda a
seqüência das Summae Theologiae que viriam culminar na de Santo
Tomás. Conforme veremos mais adiante, o próprio Hugo de S. Vitor
nos diz que o segredo das grandes sínteses está na vida
contemplativa, pois, conforme suas palavras, compete à
contemplação,
"já possuindo todas as coisas,
abarcá-las em uma visão plenamente manifesta,
estendendo-se à compreensão de muitas
ou também de todas elas" (12).
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Uma lição que foi posteriormente seguida à risca por S. Tomás.
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