A FÉ, COMO MEIO DE ALCANÇAR
A GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO



1.

Introdução.

Iniciamos este livro recordando que o assunto principal do texto anterior havia sido a graça do Espírito Santo. Este assunto, por sua vez, surgiu como uma exigência de outros anteriores, nos quais mostramos que os ideais da vida cristã são o amor a Deus e ao próximo. Havíamos descrito rapidamente em que consistiam estes dois ideais e mostramos que eles são, na verdade, não dois, mas um só ideal. Ao termos feito isto, tivemos, por conseqüência, que tratar da graça do Espírito Santo porque, conforme mostramos, sem a graça do Espírito Santo não é possível alcançar nem viver este ideal. Na verdade, sem a graça do Espírito Santo nem sequer é possível evitar o pecado ou perseverar na prática elementar dos mandamentos.

Vimos também que a graça do Espírito Santo é algo que pode crescer no homem, possuindo graus que se sucedem uns aos outros à medida em que se desenvolve a vida espiritual. Conforme tivemos a ocasião de explicar, as várias fases do crescimento da vida cristã podem ser distingüidas umas das outras de acordo com qual dos sete dons do Espírito Santo se manifesta de modo principal em cada uma; o desenrolar da vida espiritual desde a conversão até a plenitude da filiação divina pode distingüir-se segundo os sete dons do Espírito Santo de que fala Isaías, pois, embora seja verdade que todos aqueles que se convertem e vivem em estado de graça possuam simultaneamente todos os sete dons do Espírito Santo, ordinariamente a vida cristã se inicia com a manifestação predominante do dom de temor, através do qual o Espírito Santo nos concede um primeiro discernimento para reconhecer o pecado e a força para poder evitá-lo. Aquele que, fiel ao dom de temor, perseverar na prática da vida cristã, irá passar pelos dias dos outros dons e, se se mostrar fiel a todos, atravessará os sete dias da vida espiritual até alcançar aquele em que se manifesta de modo especial o dom de sabedoria, o maior de todos os dons do Espírito Santo, que eleva, junto consigo, a vivência de todos os demais à sua plena maturidade.

Isaías não é o único livro das Sagradas Escrituras que trata dos dons do Espírito Santo. No Novo Testamento o Evangelho de São Mateus fala a este respeito quando nos mostra no Sermão da Montanha Jesus ensinando o desenvolvimento da vida cristã segundo as sete bem aventuranças:

"Bem aventurados os pobres de espírito",

diz Jesus,

"porque deles é o reino dos céus.

Bem aventurados os mansos,
porque possuirão a terra.

Bem aventurados os que choram,
porque serão consolados.

Bem aventurados os que têm fome
e sede de justiça,
porque serão saciados.

Bem aventurados os misericordiosos,
porque acharão misericórdia.

Bem aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus.

Bem aventurados os pacíficos,
porque serão chamados filhos de Deus".

Mat. 5, 3-9

As bem aventuranças são assunto a ser tratado mais detalhadamente numa próxima aula; será possível mostrar, com base nos escritos de Santo Tomás de Aquino, que estas sete bem aventuranças descrevem todo o desenvolvimento da vida espiritual desde o surgimento do dom de temor até a manifestação do dom de sabedoria, quando o homem alcança a plenitude da filiação divina, e que cada bem aventurança corresponde a um dos dons do Espírito Santo na mesma seqüência em que foram apresentados no texto anterior. Fica aqui assinalado, porém, que no Novo Testamento, no Evangelho de São Mateus, ensina-se a mesma doutrina que é ensinada em Isaías.

No Velho Testamento encontramos o Livro dos Provérbios que também trata dos dons do Espírito Santo. Ele se inicia com a afirmação, várias vezes depois repetida ao longo do livro, de que

"o temor do Senhor
é o princípio da sabedoria".

Pr. 1, 7

Pensamos que, ao ter-se assim expressado, o livro de Provérbios quis afirmar que aquele que recebe o dom de temor e a ele for fiel, irá avançando gradativamente na vida espiritual até alcançar o dom de sabedoria. Podemos confirmar esta interpretação examinando outras passagens do mesmo livro. De fato, está escrito no início do Livro de Provérbios:

"Se invocares a sabedoria,
e a buscares como o dinheiro,
se procurares desenterrá-la
como se faz com os tesouros,
então compreenderás o temor do Senhor,
e acharás a ciência de Deus,
porque o Senhor é quem dá a sabedoria.

É Ele mesmo que reserva
a salvação para os retos,
que protege os que caminham na simplicidade,
que dirige os passos dos santos.

Bem aventurado o homem
que adquiriu a sabedoria;
vale mais a sua aquisição do que a prata,
seus frutos são melhores
do que o ouro mais fino e mais puro,
é a mais preciosa de todas as riquezas,
e tudo o mais que se deseja
não se pode comparar com ela".

Pr. 2,3-10; 3,13-15

Que querem dizer estas palavras de Provérbios? À primeira vista estas passagens podem parecer simples elogios de efeito oratório, feitos ao acaso, apenas obedecendo a critérios estéticos. O contrário, porém, nos é revelado como fruto de um exame mais atento.

É evidente, em primeiro lugar, que a sabedoria de que fala o Livro de Provérbios não pode ser um corpo de conhecimentos produzido pelo trabalho dos estudiosos, nem pela experiência dos homens de idade avançada, pois nestas passagens se diz que

"é o Senhor quem dá a sabedoria".

Trata-se, portanto, do dom do Espírito Santo de que fala também o profeta Isaías. As mesmas passagens mencionam ainda a possibilidade de se

"invocar a sabedoria",

o que não teria sentido se se tratasse de um corpo de conhecimentos produzido ou adquirido pela experiência dos homens.

As passagens citadas também afirmam que a sabedoria a que elas se referem deve ser

"buscada como o dinheiro".

Dizer isto é o mesmo que dizer que ela deve ser o fim último do homem, pois a maioria dos homens vive, conforme já vimos, uma vida cuja finalidade é a obtenção do dinheiro. As Sagradas Escrituras, porém, em muitas outras passagens, afirmam que o fim último do homem é amar a Deus, e ela não pode contradizer-se consigo mesma. É necessário, portanto, que a sabedoria de que fala o Livro de Provérbios como devendo ser buscada como se busca ao dinheiro seja aquele mesmo dom de sabedoria de que falamos no texto anterior pelo qual, e somente pelo qual, é possível cumprir plenamente o mandamento de amar a Deus perpetuamente, "com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento, com todas as forças".

Vimos ainda no texto anterior como entre o dia do temor e o dia da sabedoria há uma longa caminhada e uma porta estreita, muito estreita, pela qual poucos passam, mas que aqueles que o alcançam são aqueles que se tornam filhos de Deus no sentido mais pleno desta expressão. São aqueles que têm em si aquela água viva de que Jesus dizia "que viria a ser neles uma fonte de água que jorra para a vida eterna"(Jo. 4, 14); são também aqueles de quem Jesus, "falando do Espírito Santo que haveriam de receber os que nEle cressem", disse que "de seu seio correriam rios de água viva"(Jo. 7, 7). No livro de Provérbios lemos uma afirmação muito semelhante a estas feitas por Jesus. O livro de Provérbios, de fato, diz que

"a fonte da sabedoria
é como a corrente que transborda".

Pr. 18, 4

Esta corrente que transborda é um amor extraordinariamente intenso por Deus, infundido na alma pelo Espírito Santo, através do qual a alma se eleva a um conhecimento das coisas divinas a que Jesus chamava simplesmente de "a verdade":

"Conhecereis a verdade",

diz Jesus,

"e a verdade
vos tornará livres".

Jo. 8, 32

Por isto é que este dom, que é o maior de todos e que leva consigo todos os demais à sua maturidade, embora infunda o amor, não se chama dom de amor, mas dom de sabedoria, porque é através deste amor que Deus concede aos homens aquela que é a mais elevada forma de conhecimento possível ao homem, possível somente aos santos. Esta sabedoria, conforme vimos no texto passada, é, no dizer de Pedro Lombardo,

"o verdadeiro e o principal
culto devido a Deus".

Ela produz, no dizer de Santo Tomás de Aquino no Comentário ao Livro das Sentenças em que Pedro Lombardo faz esta afirmação,

"uma contemplação deiforme,
e de certo modo explícita,
dos artigos que a fé contém de certo modo
envolvidos sob um modo humano".

Aqueles que são conduzidos pelo dom de sabedoria amam a Deus com o amor a que Cristo se referia quando disse estas palavras:

"Vim espalhar um fogo sobre a terra,
e que mais eu desejo
senão que ele se acenda?"

Lc. 12, 49

Deste fogo, que é a caridade infundida na alma pelo dom de sabedoria, disse também Santo Antão em suas cartas:

"Meus filhos,
tomai este corpo de que estais revestidos,
fazei dele um altar,
e sobre este altar
colocai os vossos pensamentos,
e sob o olhar do Senhor
abandonai todo mau desígnio,
elevai as mãos de vosso coração a Deus
e pedi-lhe que vos conceda
aquele grande fogo invisível
que sobre vós descerá do céu
e consumirá o altar e as suas oferendas.

Compreendei bem
o que vos digo e vos declaro:
se cada um de vós não chega a odiar
o que é da ordem dos bens terrestres
e a isso não renunciar de todo coração,
bem como a todas as coisas
que daí dependem,
se não chega a elevar as mãos
e o coração ao céu
para o Pai de todos nós,
não é para si a salvação.

Mas se fazeis o que acabo de dizer,
Deus vos enviará um fogo invisível,
que consumirá vossas impurezas
e devolverá vosso espírito
à sua pureza original.

O Espírito Santo habitará em vós,
Jesus permanecerá junto de nós
e poderemos adorar a Deus como é devido".

Também São Diádoco, bispo de Fócia no século V, atestou em seus escritos a diferença entre o amor de Deus proveniente da graça dos primeiros dons do Espírito Santo e aquela proveniente do dom de sabedoria, a maior de todas as graças. A diferença é tão grande que ele chama o primeiro de "amor natural da alma", embora de fato ele seja sobrenatural e infundido pela graça, e o segundo ele chama de "amor divino", embora o primeiro também já fosse divino. Vamos examinar as palavras de São Diádoco:

"Uma é a caridade natural da alma",

diz São Diádoco,

"e outra é aquela que lhe é infundida
pelo Espírito Santo",
através do dom de sabedoria.

"A primeira se move com moderação
pelo afeto de nossa vontade
quando queremos,
mas a divina incendeia de tal forma
a alma ao amor de Deus
que vence e une entre si,
por uma infinita simplicidade
e sinceridade de afeto,
todas as partes e as faculdades da alma
na bondade do desejo celeste.
A alma se torna uma fonte profunda
de caridade e de alegria,
como que grávida da graça celeste
e da virtude do Espírito Santo".

Daqueles a quem Deus concedeu a graça de poder amá-Lo desta maneira é que se pode dizer com mais plena razão, conforme o prólogo do Evangelho de São João, que

"foi-lhes dado o poder
de se tornarem filhos de Deus",

e que

"não pelo sangue,
nem pela vontade do homem,
mas de Deus nasceram".

Jo. 1, 12

Assim foram os santos da Igreja, como São João Bosco, como Santo Tomás de Aquino, como São Francisco de Assis; assim foram os apóstolos do Novo Testamento, como São Paulo e São João, seus principais escritores; assim foram também os profetas e os patriarcas do Antigo Testamento, como Moisés, Samuel e Elias. E, embora sejam poucos os homens que sejam assim, é assim que Deus quer que eles se tornem, conforme Ele próprio o afirma nas Sagradas Escrituras (Jo. 4, 23-24), e conforme o afirmou também recentemente a Igreja nos documentos do Concílio Vaticano II.

Entre os anos de 1962 e 1965 praticamente todos os bispos do mundo se reuniram em Roma durante muitos meses seguidos para debaterem os problemas da Igreja no mundo moderno. Estes debates produziram uma série de quatro constituições, nove decretos e três declarações. Na constituição que foi chamada posteriormente de `A Luz dos Povos', ou `Lumen Gentium', seu nome original em latim, aprovada por 2151 votos contra 5, lê-se a seguinte afirmação:

"O Senhor Jesus,
mestre e modelo divino de toda a perfeição,
a todos e a cada um dos discípulos
de qualquer condição
pregou a santidade de vida
da qual Ele mesmo é o autor e o consumador,
dizendo:

`Sede, portanto, perfeitos,
assim como também
vosso Pai celeste é perfeito'.

Mt. 5, 48

Pois sobre todos enviou o Espírito Santo
para interiormente os mover a amar a Deus
com todo o coração,
toda a alma,
toda a mente
e toda a sua força (Mc. 12, 30),
e para que se amassem mutuamente
como Cristo os amou (Jo. 13, 34; 15, 12).
É assim evidente
que todos os fiéis cristãos
de qualquer estado ou ordem
são chamados à plenitude da vida cristã
e à perfeição da caridade".

Constituição
Lumen Gentium 5,40

Ora, fazer uma afirmação como esta, de que todos os fiéis cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade, significa a mesma coisa que dizer que todos os cristãos são chamados por Deus para crescerem na graça do Espírito Santo até alcançarem a plena vivência do dom de sabedoria, sem o qual se torna impossível a "plenitude da vida cristã e a perfeição da caridade" de que fala o Concílio Vaticano II. Isto significa que, se na história humana alguns homens se tornaram santos e outros não, isto não aconteceu porque uns foram chamados e outros não; todos foram chamados, mas apenas alguns atenderam a este chamado e corresponderam à graça que Deus lhes concedeu e concederia a todos, se todos atendessem e correspondessem.

Este ensinamento, porém, não é uma novidade, pois há muitos séculos já se encontrava exposto no livro de Provérbios. De fato, logo em seu primeiro capítulo, ali se pode ler:

"A sabedoria ensina em público,
nas praças levanta a sua voz.

Ela grita às multidões,
faz ouvir suas palavras
às portas da cidade:

`Até quando amareis,
à maneira de crianças,
a infância?

Até quando os insensatos cobiçarão
as coisas que lhes são nocivas,
e os imprudentes odiarão a sabedoria?

Convertei-vos com a minha correção;
eu vou espalhar sobre vós o meu espírito,
e vou ensinar-vos a minha doutrina.

Mas, visto que eu vos chamei,
e vós não quisestes ouvir-me;

visto que estendi a mão,
e não houve quem olhasse para mim;

visto que desprezastes os meus conselhos,
e não fizestes caso de minha repreensão,

quando vos assaltar a calamidade repentina,
e vos colher a morte como um temporal,
me invocarão e eu não os ouvirei,
levantar-se-ão de madrugada
e não me encontrarão,
porque aborreceram a instrução,
e não abraçaram o temor do Senhor,
nem se submeteram ao meu conselho,
e desprezaram todas as minhas repreensões.

Comerão, pois,
os frutos de seu proceder,
e fartar-se-ão dos seus conselhos".

Pr. 1, 20-31

É muito claro, se examinarmos com cuidado as palavras contidas neste texto, que ele contém a mesma doutrina que é ensinada no Evangelho, nos escritos dos Santos Padres da Igreja primitiva, nos escritos dos teólogos como Santo Tomás de Aquino e nos documentos do Magistério da Igreja como os do Concílio Vaticano II.

Na passagem acima o livro de Provérbios afirma que a sabedoria, que representa a plenitude da graça divina, não chama a alguns de preferência a outros; ao contrário, ela chama a todos, pois

"ela grita às multidões,
levanta a voz nas praças,
faz ouvir suas palavras
às portas da cidade".

Estas são expressões de quem quer chamar a todos, não apenas a alguns.

A passagem diz ainda que ela quereria

"espalhar sobre os homens
o seu espírito",

e que, com isto,

"lhes ensinaria
a sua doutrina".

É evidente, pois, que o livro de Provérbios, com estas palavras, está se referindo aos dons do Espírito Santo.

Mas, continua o livro,

"os homens desprezaram
os seus conselhos";

mais ainda,

"não abraçaram
o temor do Senhor",

isto é, aquela primeira correspondência à vida da graça que em outro lugar o livro de Provérbios diz ser

"uma fonte de vida
para evitar a ruína da morte".

Pr. 19, 27

Isto significa que os homens não foram fiéis sequer ao primeiro grau da graça, o dom de temor, que os conduziria, através de um longo caminho em que

"o Senhor lhes provaria os corações
como a prata se prova ao fogo
e o ouro no crisol",

Pr. 17, 3

até à caridade produzida pelo dom de sabedoria. Em vez disso, como afirma ainda Provérbios em outro lugar,

"o insensato brincou com o pecado;
o coração do sábio buscou a instrução,
mas os insensatos se alimentaram de loucura".

Pr. 19, 9; 15, 14

O resultado então nos é descrito no texto já citado:

"Quando a morte os colher como um temporal,
comerão os frutos de seu proceder,
fartar-se-ão então dos seus conselhos".

É uma advertência terrível, porém nem todos a querem escutar. Por isso é que diz ainda Provérbios, em outro lugar:

"Não deixeis, pois,
que vossos olhos se entreguem ao sono,
nem que se fechem as vossas pálpebras.

Salvai-vos como a gazela,
que escapa da mão do caçador,

e como o pássaro,
que foge da mão que prepara a armadilha.

Ide ter com a formiga,
e aprendei dela a sabedoria.

Não tendo ela guia,
nem mestre, nem príncipe,

faz o seu provimento no verão
e ajunta, no tempo da ceifa,
com que se sustentar.

Até quando, pois,
dormirás tu, ó preguiçoso?

Quando te levantarás do teu sono?

Um pouco dormirás,
outro pouco cruzarás as mãos,
para dormires,
e sobre ti virá a indigência,
como um caminheiro,
e a pobreza,
como um homem armado".

Pr. 6, 4-11

Para entender o verdadeiro sentido desta passagem sobre a preguiça e a formiga, deve-se considerar, em primeiro lugar, que ela não se refere à preguiça ou ao trabalho na acumulação dons bens materiais que garantiriam a nossa subsistência. Devemos nos lembrar que muitas e repetidas vezes Provérbios nos ensina que a verdadeira riqueza não são os bens materiais, nem o dinheiro, mas a sabedoria. A verdadeira riqueza do homem é, segundo Provérbios, aquela sabedoria de que este livro afirma que

"estava com Deus
no princípio de seus caminhos,
desde o início,
antes que ele criasse alguma coisa,
antes que a terra fosse criada".

Pr. 8, 22-23

Esta mesma sabedoria, diz ainda Provérbios, não está apenas junto de Deus desde toda a eternidade; ela também

"anda nos caminhos da justiça,
para enriquecer aqueles que a amam,
e encher os seus tesouros".

Pr. 8, 20-21

e, quando ela encontra alguém que é movido pela graça de Deus a amá-la,

"acha suas delícias em estar
junto com os filhos dos homens".

Pr. 8, 31

Esta sabedoria é, de fato, aquela verdade de que fala Jesus no Evangelho de São João, que é infundida na alma do justo através do amor, a própria graça do Espírito Santo, aquela que, no dizer de Pedro Lombardo, é

"uma participação daquela que é
a maior de todas as luzes",

e, no dizer de São Pedro Apóstolo,

"nos torna participantes
da natureza divina".

II Pe. 1, 4

É esta sabedoria, e não quaisquer bens materiais por maiores que sejam, que é, no entender de Provérbios,

"a mais preciosa de todas as riquezas,
e tudo o mais que se deseja
não se pode comparar com ela".

Pr. 3, 15

A indigência, portanto, de que fala a passagem da formiga, e

"a pobreza que virá
como um homem armado",

não são a indigência e a pobreza materiais, mas aquela morte espiritual que Provérbios diz que "colherá os homens como um temporal":

"O ímpio é presa
de suas próprias iniqüidades",

diz Provérbios;

"é ligado com a cadeia de seus pecados;
ele morrerá porque não recebeu a correção,
e se descobrirá enganado
pelo excesso de sua loucura".

Pr. 5, 22-23

Foi deste modo que também Santo Antão entendeu esta passagem da formiga. Os versos iniciais sobre os olhos e o sono com que ela se inicia, impressionaram profundissimamente a Santo Antão, a ponto dele os repetir, sem mencionar a sua proveniência, incessantemente em quase todas as suas cartas:

"Meus filhos",

diz Santo Antão,

"é na morte que habitamos.

Nossa morada
é a cela de um prisioneiro.

As cadeias da morte nos prendem.

Não concedais, pois,
sono aos vossos olhos,
nem deixeis
que vossas pálpebras dormitem".

Importa, pois, diz ainda Santo Antão na continuação de sua carta,

"que tomemos cuidado
para que não se realize em nós
a palavra de Paulo,
isto é,
que tenhamos apenas
a aparência exterior da obra de Deus,
renegando, porém,
o seu poder",

uma clara alusão à graça do Espírito Santo, através da qual se manifesta em nós o poder de Deus.

Deste poder e desta graça, o que ela é e como ela atua na santificação do homem, já falamos suficientemente no texto anterior. O que temos que tratar agora é uma questão prática, sem a qual se tornará inútil ter conhecido tudo quanto já aprendemos, isto é, temos que tratar a respeito de como e de que maneira é possível ao homem conseguir a graça do Espírito Santo. Este será o assunto sobre o qual trataremos a seguir, neste livro e no próximo, o próximo sendo um prolongamento do assunto que será tratado no presente.