12.

A Epístola aos Romanos.

A Epístola aos Romanos é o mais extenso e o mais importante de todos os escritos de São Paulo. Indiscutivelmente é um dos livros mais importantes do cânon sagrado. Seria muitíssimo desejável que todos os cristãos, assim como todos aqueles que estão se aproximando do estudo das Sagradas Escrituras, a lessem diversas vezes e com bastante atenção, procurando entender bem aquilo que São Paulo através dela nos quer transmitir.

Infelizmente, porém, as cartas de São Paulo não são fáceis de se entenderem. Ao contrário de muitos outros livros das Escrituras, elas não contém histórias, mas apenas puro ensinamento. E são ensinamentos de um santo que, antes de se converter ao Cristianismo, havia passado longos anos estudando, sob a orientação dos rabinos judeus, os livros do Antigo Testamento. Sua conversão não o fêz abandonar o estudo das Sagradas Escrituras; ao contrário, com o auxílio dos dons do Espírito Santo, aprofundou-o num grau de que é impossível tentar mostrar a extensão nestas aulas. Até mesmo os outros apóstolos afirmavam que nem sempre as cartas de São Paulo eram de fácil leitura; na Segunda Epístola de São Pedro, de fato, temos o seguinte testemunho:

"Crede, caríssimos,
que a paciência de Nosso Senhor
é para a vossa salvação,
conforme também nosso caríssimo irmão Paulo
vos escreveu,
segundo a sabedoria que lhe foi dada,
como também o faz em todas as suas cartas
em que fala disto,
nas quais há algumas coisas difíceis de entender,
que as pessoas de pouco conhecimento
e inconstantes na fé adulteram
para a sua própria perdição.
Vós, pois, irmãos,
estando prevenidos,
acautelai-vos para que
não caiais da vossa firmeza,
levados pelos erros dos insensatos,
mas crescei na graça e no conhecimento
de Nosso Senhor e salvador Jesus Cristo".

II Pe. 3, 15-16

É, portanto, para facilitar o acesso à leitura de um texto verdadeiramente difícil como é a Epístola aos Romanos que redigimos um resumo sobre o seu conteúdo que apresentamos logo a seguir.

A Epístola aos Romanos trata principalmente dos efeitos da fé sobre aqueles que crêem; explica como, através da fé, o homem recebe uma força do alto que o torna capaz de evitar o pecado, de superar a vida da carne e de viver inteiramente voltado para as coisas do alto. Sem a fé, porém, nada disso é possível e o homem, por mais boa vontade que tenha, continua o escravo de suas paixões que sempre foi, ainda que seja filósofo, como os gregos, ou versado nas Escrituras, como os judeus.

Este resumo, porém, não deve servir para substituir a leitura individual do próprio texto da epístola; ele foi preparado de tal modo que seria de se supor que, após a sua leitura, se tornasse bem mais fácil a leitura do original.

Resumo da Epístola aos Romanos.

Em sua Carta aos Romanos São Paulo primeiramente se apresenta e saúda a todos os que estão em Roma. Elogia a fé dos cristãos de Roma e lhes manifesta que espera ir visitá-los assim que lhe for possível, para

"comunicar-lhes alguma graça espiritual
e confirmá-los na fé que é comum" a ambos.

Rom. 1, 1-15

Em seguida, ele diz que não se envergonha de pregar o Evangelho (Rom. 1, 16) e explica resumidamente em que consiste o Evangelho que ele ensina:

"É o poder de Deus
para dar a salvação
a todo aquele que crê,
primeiro ao judeu e depois ao grego.
Porque a justiça de Deus se manifesta
naquele que crê,
indo da fé para a fé,
conforme está escrito:
`O justo viverá da fé'".

Rom. 1, 16-17

Ao dizer que o Evangelho que ele ensina é o poder de Deus, São Paulo está descartando com isto que o Evangelho seja apenas uma doutrina, um ensinamento, ou uma teoria moral ou filosófica. Na Primeira Epístola aos Coríntios ele afirma a mesma coisa:

"Minha pregação entre vós,
ó Coríntios,
não consistiu em palavras persuasivas
de humana sabedoria,
mas na manifestação do poder de Deus,
para que a vossa fé não se baseie
sobre a sabedoria dos homens,
mas sobre o poder de Deus".

I Cor. 2, 4-5

O Evangelho é, portanto, segundo a Epístola aos Romanos, uma força que vem do alto e não apenas uma exposição doutrinária da verdade. Para quem, porém, vem esta força? Não vem para todos, diz São Paulo. Esta força que vem do alto é, ainda segundo esta primeira definição da Epístola aos Romanos,

"Para aqueles que crêem,
primeiro para os judeus,
depois para os gregos",

isto é, para todos aqueles que crêem, sejam judeus, sejam gregos.

Paulo em seguida afirma, nesta passagem, que em todos aqueles que crêem se manifesta a santidade de Deus, pois justiça e santidade na linguagem do Velho Testamento são palavras que significam a mesma coisa. Pois, conforme Paulo afirma que está escrito no Antigo Testamento, mais exatamente no livro do profeta Habacuc,

"os homens santos vivem da fé",

e naqueles que conseguem viver da fé, neles se manifesta a santidade divina e uma força que vem do alto capaz de salvar as suas almas da morte do pecado. As pessoas que vivem assim, diz ainda esta passagem da epístola,

"caminham da fé para a fé",

uma expressão cujo significado somente poderá ser explicado bem mais adiante.

O importante, porém, será entender que, é entender que, segundo São Paulo diz nestes versos que são a introdução à Epístola aos Romanos, o Evangelho consiste no poder de Deus que atua apenas naqueles homens que vivem da fé; nestas pessoas se manifesta a santidade de Deus, e isto lhes ocorre não porque elas tenham determinadas opiniões ou façam determinadas atividades que outros homens não têm ou não fazem, mas precisamente porque eles crêem, e não apenas crêem, mas vivem da fé, e não apenas vivem da fé, mas também caminham da fé para a fé. Nas pessoas que vivem assim é que se manifesta o poder e a santidade de Deus, e isto, segundo Paulo, é o assunto principal que ele ensinava em todos os lugares por onde ele viajava para explicar o Evangelho.

Todo o restante da Epístola aos Romanos é uma explicação mais profunda e detalhada destes dois versículos, em que São Paulo declarou em que consistia a essência do que ele ensinava em toda a parte.

São Paulo mostra logo em seguida que sem a fé, sem a força do alto que Deus concede àqueles que crêem, força que é aquilo que nós chamamos de graça, os homens caem em um abismo de pecados, sejam eles gregos ou judeus, isto é, sejam eles homens criados na religião ou num paganismo cheio de estudo e de cultura. Sem esta força, em vez dos homens viverem uma vida voltada às coisas do espírito, entregam-se às paixões da carne, ainda que suas intenções tivessem sido as melhores possíveis. "O homem carnal", diz São Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios, "não é capaz de entender as coisas de Deus"; mesmo que se lhas ensine, para o homem carnal estas coisas não passam de

"estupidez,
porque ele não as pode entender,
visto que elas só podem ser entendidas
espiritualmente".

I Cor. 2, 14

Mas o homem só se torna espiritual pela graça de Deus, e a graça de Deus só é dada para aqueles que vivem da fé.

O grande problema para a maioria das pessoas é, porém, que elas não estão dispostas a admitir que sejam pessoas carnais. Embora na maioria dos casos elas nunca tenham pensado a respeito do assunto durante toda a sua vida, se algum dia se lhes pergunta, certamente dirão que são pessoas boas e bastante espirituais. A única maneira de se convencerem do quanto de fato elas estão longe das coisas do espírito será impor-lhes um código moral bem definido e obrigá-las a cumprí-lo, não apenas exteriormente, mas também internamente, não só de coração, como também de todo o coração. Quando, depois de muitas e muitas tentativas, finalmente elas perceberem que não o conseguem, então estas pessoas começarão a desconfiar de que havia alguma coisa de errado na opinião que elas faziam de si mesmas.

Foi isto que aconteceu, em primeiro lugar, com os gregos e com os pagãos, diz São Paulo na Epístola aos Romanos. Embora os gregos dissessem que eram sábios (Rom. 1, 22), e, de fato, eles provessem da mais profunda tradição cultural já havida na civilização ocidental até aquela época, e embora as coisas de Deus sejam visíveis a todos através das obras da criação (Rom. 1, 20), e o deveriam ser de modo especial às pessoas que pensavam ser sábias, os gregos e os pagãos se entregaram a uma multidão de vícios vergonhosos dos quais São Paulo faz uma lista e no final acrescenta:

"E eles não conseguiram compreender
que todos aqueles que praticam estas coisas
são dignos da morte" do espírito,

Rom. 1, 32

coisa que não são fatos ocorridos apenas naquela época como também os vemos acontecer hoje em dia com pessoas a quem conhecemos e com quem convivemos e amamos, se não for o caso até mesmo da pessoa que estiver lendo estas linhas.

Idêntico era também o caso dos judeus, diz São Paulo. Eles não tinham a tradição cultural dos gregos, mas eram pessoas religiosas e tinham na Bíblia uma lista muito grande e mais clara do que qualquer outro povo daquilo que Deus exige dos homens; por causa disso, diz São Paulo, eles se vangloriavam de possuir a ciência de Deus e julgavam aos homens que procediam erroneamente. No entanto, acrescenta São Paulo,

"a si mesmo eles se condenam,
porque eles praticam as mesmas coisas
que julgam nos demais homens".

Rom. 2, 1

De fato, continua São Paulo,

"não são santos diante de Deus
aqueles que ouvem a Lei de Deus,
mas aqueles que observam a Lei de Deus
é que se santificam".

Rom. 2, 13

O problema, porém, não estava no fato de que que estas pessoas não se esforçavam em praticar a Lei de Deus. Havia e há muitos, é verdade, que não se esforçam, mas há também outros que se esforçam e não o conseguem. Por mais que o façam, a pureza e a santidade é algo muito elevado para elas, algo que elas não conseguem alcançar. Estas pessoas precisam entender, através desta experiência, que isto ocorre porque é assim que é a natureza humana decaída; que ela é fraca e está sob o jugo do pecado, tanto a dos judeus como a dos gregos, que é por isso que elas não conseguem praticar a beleza da vida que Deus ensina aos homens, que só lhes será possível conseguirem a força necessária para cumprir a lei divina com o auxílio da graça, e que esta graça vem através da fé.

Santo Tomás de Aquino resume tudo o que São Paulo explicou nestes três primeiros capítulos da Epístola aos Romanos no Comentário que ele escreveu às cartas do Apóstolo:

"Depois que o Apóstolo mostrou
que os pagãos não se justificaram
(ou santificaram)
pelo conhecimento da verdade
que haviam alcançado",

diz Santo Tomás em seu Comentário,

"ele mostra que também os judeus
não conseguiram justificar-se
pelas coisas de que se vangloriavam.
Não se justificaram pelas Leis
(que lhes foram dadas por Deus);
não se justificaram pela raça
(a que pertenciam);
não se justificaram também pela circuncisão
(de que se vangloriavam).
Portanto, para que ambos,
(pagãos e judeus),
se salvassem,
era necessário a virtude da graça evangélica".

Como se adquire a graça necessária para a santificação e para cumprir a lei divina? São Paulo diz que é pela fé, e para provar isto através da própria Bíblia ele nos mostra o exemplo de Abraão. Apesar de Abraão nunca poder ter tido filhos com a sua esposa, apesar de estar com cem anos de idade e sua esposa Sara também, quando Deus lhe prometeu que sua descendência seria mais numerosa do que as estrelas do céu e que os grãos de areia da praia, ele acreditou imediatamente que isto aconteceria certamente, porque Deus assim o prometia. Eis como o explica São Paulo:

"Que diz a Escritura?",

escreve São Paulo.

"`Abraão acreditou em Deus
e isto lhe foi tido em conta
para a justiça'.

Gen. 5, 6

Ele, contra toda a esperança,
acreditou na esperança de que seria
pai de muitas gentes,
segundo o que lhe foi dito:
`Assim será a tua descendência'.

Gen. 15,5

E, sem vacilar na fé,
não considerou nem o seu corpo amortecido,
sendo já de quase cem anos,
nem o seio de Sara,
já sem vida para conceber.

Não hesitou com desconfiança
perante a promessa de Deus,
mas foi fortificado pela fé,
dando glória a Deus,
plenamente convencido
de que Ele é poderoso
para cumprir tudo o que prometeu.

Por isso isto lhe foi imputado
para a justiça.

Ora, estas coisas não foram escritas
somente por causa dele,
(a saber, que isto)
lhe foi imputado como justiça,
mas também por nós,
a quem será imputado como justiça,
se crermos naquele que ressuscitou dos mortos,
Jesus Cristo, Nosso Senhor,
o qual foi entregue pelos nossos pecados
e ressuscitou para a nossa justificação".

Rom. 4, 3; 4, 18-25

Mais adiante Paulo passa a explicar o que acontece às pessoas que não apenas crêem, mas que vivem da fé:

"O pecado já não vos dominará",

explica São Paulo,

"pois já não estais sob a lei,
mas sob a graça".

Rom. 6, 14

"Antigamente",

diz ainda São Paulo,

"vós éreis escravos do pecado,
mas como obedeceram de coração
à regra da doutrina (da fé)
sob a qual fostes formados (como cristãos),
fostes libertados do pecado
e vos tornastes servos da justiça".

Rom. 6, 17-18

É muito importante perceber que São Paulo não diz que os cristãos estão livres da Lei, como se estivessem livres para fazerem o que bem entendessem. Ele diz que os cristãos pela fé estão livres do pecado, o que é muito diferente. Sem a graça divina, que vem através da fé, os homens, mesmo que o queiram, e mesmo que o queiram verdadeiramente, não conseguem obedecer à lei divina. Mesmo que entendam, o que freqüentemente não é isto o que ocorre, que a observância das leis divinas é um bem para o homem, que só isto é a verdadeira riqueza, que só isto é o que dignifica o homem, e que só isto é que pode conduzí-lo à verdadeira felicidade, e assim entendendo queiram viver segundo a Lei de Deus, não o conseguem. Há uma força maior que os aprisiona, de que precisam se ver livres para fazerem o que desejam. Esta força, diz São Paulo, é o pecado sob que estão todos os homens (Rom. 3, 9), pecado que entrou no mundo pela queda do primeiro homem, através do qual também entrou no mundo e passou para todos os homens a morte espiritual (Rom. 5, 12). Sem a graça de Deus, de fato, diz São Paulo na Epístola aos Romanos,

"todos pecaram
e estão privados da glória de Deus;
não há quem entenda,
não há quem busque a Deus,
todos se transviaram,
todos se corromperam".

Rom 3, 23; 3, 11-12

O homem somente consegue se libertar desta prisão, diz São Paulo, através da graça do Espírito Santo, que nos é dada pela fé em Cristo.

Mas para aqueles que são capazes de viver da fé São Paulo se expressa muito diferentemente. Ele diz o seguinte:

"Considerai-vos como estando
mortos para o pecado,
e vivos para Deus.

Não reine o pecado em vosso corpo mortal,
obedecendo aos seus desejos,
mas ofereci-vos a Deus,
pois o pecado não vos dominará,
já que não estais sob a lei,
mas sob a graça".

Rom. 6, 11-14

"Agora que estais livres do pecado",

continua São Paulo,

"tornai-vos servos da justiça.
Assim como antigamente
vós oferecestes o vosso corpo
para servir à imundície e ao pecado,
assim oferecei o vosso corpo
para servir à justiça,
para com isto poderdes alcançar a santificação.
Agora que estais livres do pecado
e feitos servos de Deus,
tenhais por vosso fruto a santificação
e por fim a vida eterna".

Rom. 6, 18-22

São palavras belíssimas, objetivos sublimes, mas exortações como estas são inteiramente inúteis para aquele que é incapaz de viver da fé, pois sem a graça do Espírito Santo que vem pela fé estas exortações colocam diante do homem um objetivo totalmente impossível de ser alcançado e freqüentemente também impossível de ser compreendido. Mas não são impossíveis para aquele ao qual, como à mulher cananéia, Jesus disse:

"Ó mulher,
é grande a tua fé".

Mt. 15, 28

Por isso é que Jesus disse tantas vezes também a tantas pessoas:

"Levanta-te e parte,
a tua fé te salvou";

ou ainda:

"A tua fé te salvou,
vai em paz",

e outras vezes acrescentava: "E não peques mais".

Mais adiante São Paulo ainda faz na Epístola aos Romanos uma comparação entre aqueles que, através da graça e da fé, são capazes de viver para as coisas do espírito, e aqueles que, não sendo capazes de viver da fé, não podem senão viver para as coisas da carne:

"Não há, pois",

diz São Paulo,

"agora nenhuma condenação
para os que estão em Jesus Cristo,
os quais não andam segundo a carne.

Os que são segundo a carne,
gostam das coisas da carne.
Mas os que são segundo o Espírito
gostam das coisas que são do Espírito.

Ora, a aspiração da carne é a morte,
mas a aspiração do Espírito é vida e paz.

Quem viver segundo a carne,
morrerá;
mas aqueles que,
pelo Espírito,
fizerem morrer as obras da carne,
viverão.

E aqueles que forem,
conduzidos pelo Espírito de Deus,
estes serão filhos de Deus.

E, se forem filhos,
também serão herdeiros,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo".

Rom. 8, 1; 8, 5-6;
8, 13-14; 8, 17