XI

A consideração das
coisas invisíveis



1.

A primeira a ser considerada é a sabedoria.

Já dissemos que as coisas invisíveis de Deus são três: a potência, a sabedoria e a benignidade. Devemos considerar em seguida qual delas entre as demais surge em primeiro lugar no conhecimento de quem contempla.

Creio que compreendemos primeiro na contemplação o invisível que em seu simulacro visível se manifesta de modo mais claro e evidente.

As coisas visíveis são ditas simulacros das invisíveis. A imensidade das criaturas é simulacro da potência invisível; a beleza das criaturas é simulacro da sabedoria invisível; a utilidade das criaturas é simulacro da benignidade. E toda criatura, quanto mais se aproxima do Criador por semelhança, tanto mais evidentemente haverá de manifestá-la.

O simulacro, pois, que manifestará o exemplar invisível por primeiro será aquele que mais perfeitamente retiver em si a imagem da semelhança divina.

Vejamos qual deles seria.

A imensidade das criaturas pertence mais à essência. Já a beleza pertence mais à forma. A essência, porém, sem que se considere a forma, é informidade. O que é informe, na medida em que é, assemelha-se a Deus; mas na medida em que carece de forma, difere de Deus: daqui se conclui que o que possui forma é mais semelhante a Deus do que aquilo que não a possui. Fica clara também que a beleza das criaturas é simulacro mais evidente do que a sua imensidade, pois esta diz respeito apenas à essência.

A beleza das criaturas, ademais, por causa da forma natural, pertence ao hábito. A utilidade, porém, pertence ao ato, porque as criaturas são úteis na medida em que se submetem ao homem servindo-o e prestando-lhe auxílio. O que pertence ao hábito, entretanto, é mais próprio; e é também mais certo do que aquilo que pertence ao ato, porque, se a natureza estabelece o hábito, o ato é acrescentado por instituição humana. Concluímos, portanto, que o simulacro da beleza precede no conhecimento não somente o da imensidade, como também o da utilidade, e é anterior no conhecimento pelo motivo de ser mais evidente em sua manifestação.

Devemos, pois, colocar o primeiro vestígio da contemplação naquele simulacro em que, iniciando corretamente nossa primeira investigação, pela própria coisa que buscamos possamos prosseguir com segurança ao restante. Coisa bela é, ademais, buscar a sabedoria tomando como início de investigação o próprio simulacro da sabedoria: o próprio Pai manifesta-se pela sua sabedoria, e não apenas enviando ao mundo sua sabedoria que se fez carne, mas também por ela criando o próprio mundo.

2.

A sabedoria se revela principalmente pelo movimento racional.

A beleza das criaturas que dissemos ser o simulacro da sabedoria divina abrange a posição, o movimento, a espécie e a qualidade. Destas quatro é fora de dúvida que o lugar mais excelente cabe ao movimento, porque o que é animado pelo movimento está mais próximo à vida do que as coisas que não podem ser movidas.

Dissemos também do movimento que existe o que é local, o natural, o animal e o racional. O movimento natural supera o local porque não somente expressa a imagem da vida, mas a própria vida, de certo modo, nele tem o seu início. O movimento animal sobrepuja, por sua vez, ao movimento natural tanto quanto o sentido sobrepuja o sensível. Finalmente, o racional sobrepõe-se a todos os demais, porque nele não somente é movido o sentido para a animação, mas também a razão para o entendimento. Não é possível encontrar nas criaturas um simulacro mais evidente do que este, pois naquilo que ele é demonstra a sabedoria invisível mais manifestamente do que todos os demais.