SERMO XXXVIII

Sobre a Cidade de Babilônia, e
a fuga que se deve empreender
do convívio mundano com
seus sete delitos.




"Saí de Babilônia,
fugi dos Caldeus".

Is. 48, 20

Babilônia, gloriosa entre todos os reinos, ilustre na soberba dos Caldeus, pelos delitos de seus cidadãos reduzida desde a antiguidade à perpétua solidão, pelo sentido de seu nome, pelo orgulho cruel de seus príncipes, e pela perversa vida de seus habitantes, significa o mundo presente.

O mundo, efetivamente, tanto por causa da culpa como por causa da pena, e também por causa de ambos, pode comparar-se corretissimamente à perversa e ímpia Babilônia. Possui, no sentido moral, ao modo de qualquer cidade, as suas portas, o seu muro, as suas vias, os seus edifícios maiores e menores. A porta pela qual nela se entra é o nascimento; o caminho pelo qual se a atravessa é a mortalidade; a porta, pela qual se sai da mesma, é a morte. Qualquer coisa que o miserável nascimento submeter, a infeliz mortalidade a conduzirá toda consigo, e o que quer que a mortalidade conduza, a insensível morte a devorará por completo. O seu muro é todo o âmbito deste mundo, no qual entramos pelo nascimento, mas não podemos dele sair senão pela morte. Entre ambas as portas, isto é, entre o nascimento pela qual entramos e a morte pala qual saímos, há o caminho, que é a mortalidade, pelo qual passamos todos os dias, as horas e os momentos, submetidos e fustigados pela sua corruptibilidade e pela sua penalidade, até que, segundo o arbítrio do juiz interior e eterno, depois do mérito, alcancemos o prêmio.

As vias desta Babilônia espiritual são os sete vícios principais. Tais vias são compridas e largas; compridas pelo longo costume, largas pela dissoluta licenciosidade. A primeira via é a soberba, a segunda a inveja, a terceira a ira, a quarta a acédia, a quinta a avareza, a sexta a gula, e a sétima é a luxúria.

A soberba, por uma parte, ou em um de seus lados, possui a elevação do coração, e no outro a ostentação da obra. Interiormente, de fato, temos a soberba; exteriormente, a jactância. A soberba consiste na elevação do coração, a jactância na ostentação da obra. A soberba reside mais no oculto diante de Deus, a jactância mais no manifesto diante do próximo. Para construir esta via o demônio colocou a primeira pedra, quando quis

"subir ao céu,
exaltar seu trono
acima dos astros de Deus,
sentar-se sobre o monte da aliança,
ao lado do aquilão,
sobrepujar a altura das nuvens
e ser semelhante ao Altíssimo".

Is. 14, 13-14

Ele é, portanto, o rei desta Babilônia, e foi ele que então e deste modo começou a edificar esta cidade e sua primeira via.

Em seguida vieram para ela os nossos primeiros pais, os quais, quando buscaram pela soberba a casa da ciência comendo o fruto proibido, edificaram a mesma via da cidade de Babilônia. Nesta via cada orgulhoso constrói para si uma casa tanto mais elevada quanto de modo se ensoberbecer entre os demais. O mesmo se deve entender dos demais vícios, de tal modo que os que por primeiro os encontraram e exercitaram, foram também os que por primeiro trabalharam na edificação das vias de Babilônia. E quanto mais qualquer homem se corrompe mais gravemente por algum vício, tanto mais sublime palácio edifica para si em Babilônia.

Nesta primeira via, que é a soberba, vários são os aparatos, vários são os ornamentos, e nela mais se busca o que pertence ao louvor do que o que pertence ao prazer. Nela mais são desejadas as coisas que dizem respeito à glória do mundo do que à concupiscência da carne. Todas são ordenadas e ornamentadas como uma semelhança do templo. Nela encontra-se a púrpura, o linho finíssimo, as vestes inteiramente de seda, os tapetes do Egito, os ornamentos dos calçados, as fivelas, os colares, os braceletes, as pulseiras, as mitras, os discriminais, os pericélios, as murêmulas, os perfumes, os brincos, os anéis, as gemas, as mutatórias, as capas, os véus, os grampos, os espelhos, os suidones e os teristres. Seus habitantes entram pomposamente, de cabeça erguida, aprovando-se pelos acenos dos olhos, avançando com os pés em marcha compassada. A terra está repleta com seus cavalos, e suas quadrigas são inumeráveis.

A segunda via de Babilônia, que é a inveja, vive da aflição e do desespero por reputar-se haver caído na mais terrível pobreza. Seus moradores, embora possuam bens, observando aqueles que na via anterior os excedem em pompa, riqueza e glória, consideram-se os mais pobres e destituídos de felicidade dentre todos os homens. No meio desta avenida construída por um lado pela própria diminuição e por outro pelo aumento alheio, os invejosos gemem e definham inconsolavelmente, torturando-se e contorcendo-se de dor como se estivessem em trabalho de parto. O tormento daqueles que percorrem esta via, de fato, está entre a própria diminuição e o aumento alheio, ou entre a própria ignomínia e a glória do outro. Seu príncipe é o demônio, pois, conforme está escrito,

"pela inveja do demônio
entrou no mundo a morte",

Sab. 2, 24

mas ela possui muitos outros cidadãos, todos perdidos, como Caim, os escribas e os fariseus e os príncipes dos sacerdotes, os quais Pilatos sabia haverem traído a Cristo pela inveja.

A terceira via da cidade réproba é a ira. Por um de seus lados corre a ira leve e passageira, do outro o ódio, isto é, a ira grave e contínua. Aqui verás a palha, ali a trave. Para esta miserável via concorrem todos os ímpetos de todas as tempestades. Nela se agitam os turbilhões das dissensões, soa o fragor das ameaças, tremem os ventos das contendas, cai a chuva pesada e o granizo das perseguições, lampejam os raios das armas, ressoam os trovões das feridas e dos homicídios.

A quarta via da nefanda cidade é a acédia. Ela possui de um lado a tristeza, do outro o desespero. Ela é mais horrenda e mais amplamente temível do que todas as outras. Embora seja grave pecar, todavia é mais grave cair irracionalmente na tristeza e é muito mais grave ainda precipitar-se no desespero pela tristeza. O primeiro que para si construíu uma casa nesta via foi Caim, quando disse:

"Minha iniqüidade é grande demais
para que mereça ser perdoada".

Gen. 4, 13

Também Judas, o pior dos negociantes, construíu uma casa para si nesta mesma via quando, desesperando-se do perdão, enforcou-se no laço. De sua habitação o salmista pediu para ser libertado quando disse:

"Não me afoguem as ondas das águas,
nem me absorva o abismo,
nem a boca do poço se feche sobre mim".

Salmo 68, 16

A quinta via é a avareza. Ela é constituída, por uma parte, pela cobiça, e por outra pela tenacidade. Embora seja repleta de prata e ouro e não haja término para os seus tesouros, não pode todavia produzir saciedade, porque o avarento, no que diz respeito ao ardor de sua sede,

"jamais se fartará do dinheiro".

Ec. 5, 9

Ao contrário, quanto mais adquirir, tanto mais cobiçará possuir. De onde o conhecido provérbio:

"Cresce o amor do dinheiro,
tanto quanto cresce a própria riqueza".

Nesta via possui uma casa ilustre aquele rico avarento, sepultado no inferno, de que nos fala o décimo sexto capítulo do Evangelho de São Lucas.

A sexta via é a gula, da qual uma parte é a voracidade, e outra parte a ebriedade. O Senhor nos proíbe a moradia nesta avenida onde nos diz:

"Velai, pois, sobre vós,
para que não suceda que os vossos corações
se tornem pesados com as demasias
do comer e do beber".

Luc. 21, 34

E também o Apóstolo, onde nos diz:

"Caminhemos, pois, como de dia,
honestamente, não em glutonaria,
nem na embriaguez".

Rom. 13, 13

Naquela parte, que é a voracidade, estão todos os tipos de pães, que se fazem pela arte do padeiro, e os demais manjares que se fazem pela arte culinária, os diversos gêneros de carnes de quadrúpedes e de aves, de peixes de mar e de rios, a pimenta, o cominho e os diversos ingredientes para a elaboração de sabores e condimentos. Na outra parte, que é a ebriedade, estão os vinhos de variadas cores, sabores, forças e odores, elaborados com diversas ervas e aromas, para terem com que se ocupar

"os que se levantam pela manhã
para se entregarem à embriaguez,
e para beberem até à tarde",

Is. 5, 11

cuja impudência o mesmo profeta de quem são estas palavras recrimina em outro lugar, dizendo:

"Também estes, por causa do vinho,
perderam o entendimento,
e por causa da embriaguez,
andaram sem rumo.
O sacerdote e o profeta perderam o juízo
por causa da embriaguez,
foram absorvidos pelo vinho.
Enganaram-se pela embriaguez,
não reconheceram o vidente,
ignoraram a justiça.
Todas as suas mesas se encheram
de vômito e de asquerosidade,
de modo que já não havia mais lugar".

Is. 28, 7-8

E novamente, o mesmo profeta, falando na pessoa destes:

"Vinde, bebamos vinho,
enchamo-nos até à embriaguez e,
como hoje, assim faremos amanhã,
e ainda muito mais".

Is. 56, 12

E se tais foram os profetas, os sacerdotes e os sábios do povo, que são chamados pelo mesmo profeta de cães impudentíssimos, não conhecendo a saciedade, como imaginais que terá sido o povo promíscuo e ignorante? O Apóstolo Paulo, falando também dos gulosos, diz:

"Muitos,
de quem muitas vezes vos falei
e também agora falo com lágrimas,
procedem como inimigos da cruz de Cristo;
o fim deles é a perdição,
o deus deles é o ventre,
e fazem consistir a sua glória
na sua própria confusão,
comprazendo-se somente nas coisas terrenas".

Fil. 3, 18-19

A sétima via de Babilônia é a luxúria. Esta possui, de uma parte, a imundície do pensamento, e de outra, a imundície da ação. Esta é a última e a ínfima de todas as vias de Babilônia. Para ela parecem confluir as imundícies de toda a cidade e, todavia, por causa da correnteza de suas águas, não pode saciar- se. Dizem, de fato, as Sagradas Escrituras, que

"Insaciável é a boca do útero".

Prov. 30, 16

Muitas outras coisas, irmãos caríssimos, poderiam ser ditas a respeito de tudo isto, as quais, todavia, será necessário omitir. Todo dia, ordinariamente, temos outras coisas para fazer, não tendo à nossa disposição todo o tempo para escrever. As coisas que superarem nossa possibilidade ser-vos-ão deixadas para serem investigadas e recolhidas por vós.

E agora, caríssimos, tenhamos por horrendas e abomináveis as vias de Babilônia, e detestemos suas habitações, isto é, todos os delitos da vida mundana:

"Saiamos de Babilônia,
fujamos dos Caldeus,
voltemos a Jerusalém".

"Saiamos", abandonando nossa maldade; "fujamos", pelo arrependimento; "voltemos", pelo bem viver. Na aversão ou descida de Jerusalém a Babilônia produz-se em primeiro lugar a tentação; em segundo, a deleitação; em terceiro, o consentimento; em quarto, a obra; em quinto, o costume; em sexto, o desespero. Pela tentação somos movidos; pela deleitação descemos, ou melhor, caímos; pelo consentimento entramos pelas portas de Babilônia; pela obra nela construímos uma habitação para nós; pelo costume somos conduzidos à servidão; pelo desespero somos jogados no cárcere e acorrentados pelos grilhões. No retorno, porém, de Babilônia para Jerusalém, temos em primeiro lugar o anseio de Deus pelo conhecimento do pecado; em segundo a compunção do coração; em terceiro a confissão da boca; em quarto a satisfação da penitência; em quinto o exercício da virtude; em sexto a exibição da boa obra. E deve-se notar que se diz:

"Fujamos dos Caldeus".

Melhor, de fato, vencemos certos pecados, principalmente os que nos são doces, fugindo do que resistindo. De onde que o Apóstolo diz da fornicação:

"Fugi da fornicação".

I Cor. 6, 18

Isto também o declarou o mensageiro que veio até Heli, quando disse:

"Eu sou o que venho da batalha,
e eu, o que fugi hoje do combate".

I Sam. 4, 16

Melhor é, efetivamente, fugir e salvar a vida do que sucumbir na guerra. Saiamos, pois, irmãos, e fujamos. Curto e fácil é o caminho que vai de Jerusalém para Babilônia, e, ao contrário, e admirável para ser dito, grande e difícil é o caminho que vai de Babilônia para Jerusalém. Fácil é, na verdade, cair do bem para o mal, da virtude para o vício, do espírito para a carne; mas não ressurgimos de modo igualmente fácil das coisas inferiores para as superiores, oprimidos pelo corpo que se corrompe e sufoca a alma.

"Fácil é descer o Averno.
Subí-lo, porém, novamente,
alcançar-lhe as alturas,
transpô-lo até os seus ventos mais elevados,
eis o trabalho,
eis a dificuldade".

Facil e rapidamente caímos pela culpa, porque o espírito e a carne são vizinhos por uma grande fronteira; porém, depois que pecamos, oprimidos pelo costume do pecado, é com dificuldade que nos levantamos pela justiça. De onde que se diz corretamente que este retorno espiritual é uma longa, árdua e difícil subida. Daqui também procede o que nos diz o Salvador:

"Estreita é a porta,
e apertado é o caminho
que conduz à vida".

Mat. 7, 14

Se, pois, estamos no caminho do retorno pelo arrependimento, ou na própria Jerusalém pela boa e perfeita consciência,

"guardemos o que temos,
para que ninguém nos tome
a nossa coroa".

Apoc. 3, 11

Se, pois, "estamos de pé", acrescenta o Apóstolo, "vigiemos para que não caiamos", suspeitando sempre das ciladas e das incursões dos nossos inimigos, os quais, embora nos deportem e nos oprimam, nos pedem que

"cantemos os cânticos de Sião".

Salmo 136, 3

Diz a sentença de Jeremias que

"Nossos perseguidores são mais velozes
do que as águias do céu,
perseguiram-nos sobre os montes
e armaram-nos ciladas no deserto".

Lam. 4, 19

Tornam-se águias do céu os prelados da Igreja, quando voam sublimemente em direção aos bens celestes e contemplam os raios da suprema claridade. Os montes designam a altitude da contemplação. O deserto significa o segredo da vida espiritual. Mas os nossos perseguidores são mais velozes do que as águias do céu, porque os espíritos cruéis persistem em nos perseguir com maior fortaleza do que freqüentemente nossos prelados em nos defender. E ainda que subamos às alturas da suprema contemplação, ou nos apartemos para o segredo de nossa vida interior, nem assim cessarão de nos perseguir e jamais desistirão de nos espreitar. Portanto, caríssimos, é necessário que caminhemos não apenas com fortaleza, como também com sabedoria; contra a perseguição devemos ser fortes, contra as ciladas devemos ser sábios. Se caminharmos forte e sabiamente, escaparemos do inimigo e chegaremos a salvo em Sião, onde encontraremos a alegria eterna em Cristo.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, Nosso Senhor, que é, sobre todas as coisas, Deus, bendito por todos os séculos.

Amén.