SERMO LXVI

Sobre o louvor de Deus,
por ocasião da festa
de qualquer santo.




Em muitos lugares das Sagradas Escrituras aprendemos Deus ser admirável e louvável em seus santos, e tanto mais louvável quanto mais admirável. O santo salmista nos propõe diversos modos do louvor divino no último salmo de seu livro, onde diz:

"Louvai-O no som da trombeta,
louvai-O no saltério a na cítara,
louvai-O no tímpano e no coro,
louvai-O nas cordas e no órgão.
Louvai-O em címbalos bem sonoros,
louvai-O em címbalos de júbilo".

Salmo 150, 3-5

E para nos prevenir de que todas estas coisas não devem ser entendidas dos instrumentos corporais, mas dos espirituais, logo em seguida acrescenta:

"Todo espírito louve o Senhor".

Salmo 150, 6

Todo espírito, isto é, o angélico e o humano. Vejamos, portanto, o que significam espiritualmente estas coisas.

A trombeta possui um som que aterroriza, e por isso significa aquela pregação que nos impressiona fortemente sobre a brevidade da vida presente ou sobre a perenidade da condenação futura. Sobre a brevidade da vida presente quando, por exemplo, nos diz João Batista:

"O machado já está posto
à raiz da árvore",

Mt. 3, 10

ou sobre a perenidade da condenação futura, quando nos diz Isaías:

"Seu verme não morrerá,
e seu fogo não se extinguirá".

Is. 66, 24

Visto que, porém, já falamos suficientemente em algum outro sermão sobre a diferença das trombetas, isto é, sobre o modo das pregações, agora não nos ocuparemos em repetir as mesmas coisas.

"Louvai-O no saltério a na cítara".

O saltério é a divina contemplação e a cítara a boa ação, porque o saltério soa por cima, enquanto que a cítara soa por baixo. O saltério é corretamente chamado de dez cordas na Sagrada Página, porque toda a ordem da Lei se consuma verdadeira e perfeitamente na contemplação divina. E também corretamente esta cítara espiritual tem seis cordas, que são as seis obras de misericórdia, as quais são dar de comer aos que têm fome, dar de beber aos que têm sede, hospedar os peregrinos, vestir os nus, curar os enfermos, visitar os presos (Mt. 25, 35-36). O próprio Cristo nos exorta a tocar esta cítara e a cantar por meio dela o louvor de Deus onde nos diz:

"Dai esmolas, e todas as coisas
serão puras para vós".

E aos antigos, culpando-os pelo desprezo, diz por meio do profeta:

"Reparai as forças dos que estão fatigados,
este é o meu refrigério,
mas não quisestes ouvir-me".

Is. 28, 12

Continua, porém, o salmista:

"Louvai-O no tímpano e no coro".

O tímpano é um instrumento feito com couro seco estendido sobre um aro de madeira, com o qual as jovens timpanistas costumam divertir-se, na ausência de um instrumento melhor. O tímpano, portanto, significa adequadamente a abstinência, pela qual a carne é secada, adelgaçada e estendida. O apóstolo Paulo parece referir-se a este tímpano quando diz:

"Os que são de Cristo crucificaram
a sua própria carne
com os vícios e as concupiscências".

Gal. 5, 24

Quando a abstinência, porém, não é acompanhada da concórdia, ela de nada vale. Por este motivo, depois que o salmista diz: "Louvai-O no tímpano", acrescenta corretamente: "e no coro". O coro, de fato, é um conjunto coordenado de vozes e por isto designa a concórdia dos costumes. É com direito, portanto, que se reprova o jejum daqueles que louvam o Senhor no tímpano da abstinência mas não procuram louvá-Lo também no coro da concórdia, conforme afirmado pelo profeta:

"Vós jejuais para prosseguirdes
demandas e contendas,
e feris com o punho sem piedade.
Não jejueis daqui por diante,
como o tendes feito até hoje,
para que seja ouvido no alto o vosso clamor.
Acaso o jejum que eu aprecio
consiste em afligir um homem
a sua alma por um dia?"

Is. 58, 4-5

E a seguir, pouco depois:

"Porventura o jejum que eu aprecio
não consiste nisto:
em desatar as ligaduras da impiedade,
em descarregar os fardos que oprimem,
em deixar ir livres aqueles que estão quebrantados,
e em quebrar toda a espécie de jugo?"

Is. 58, 6

Aqueles, portanto, que quiserem agradar o Senhor louvando-O no tímpano da abstinência, cuidem também de agradá-Lo louvando-O igualmente no coro da concórdia.

"Louvai-O nas cordas e no órgão".

As cordas designam as virtudes. Para que produzam som, as cordas devem ser estendidas. Assim também ocorre com as virtudes: para que dêem fruto, devem ser exercidas. A extensão das cordas é, portanto, o exercício das virtudes, e o som das cordas é a utilidade das virtudes. Louvam a Deus nas cordas todos aqueles que, retamente vivendo, louvam-nO pelas santas virtudes. Suas cordas soam em concordância quando suas virtudes concorrem harmoniosamente para manifestar uma louvável justiça.

As cordas que produzem um som claro são aquelas que foram secadas de toda a umidade. Assim também as virtudes que soam suavemente diante de Deus são aquelas que não são umedecidas pelo fluxo dos vícios. As cordas também não soam se não forem tocadas, porque as virtudes nunca resplandecem se não forem exercitadas pelos seus adversários.

O som das cordas é formado e fortalecido pela concavidade da madeira que lhe é próxima. De modo semelhante, a bondade das virtudes é recomendada pela intenção interior e escondida do que a opera.

O órgão é como uma torre construída com tubos diversos, que soam pelo sopro de um fole. O que devemos entender pelos foles, senão os mais perfeitos entre os doutores, repletos de doutrina espiritual? E que devemos entender pelo órgão, senão a assembléia dos discípulos que os ouvem? Pelos foles o órgão é preenchido para produzir o som pelos seus tubos; assim também pelos doutores plenos do Espírito Santo a multidão dos discípulos é plenificada pela doutrina espiritual, para que pelos seus sentidos, pelos seus membros ou certamente pelas suas virtudes e pelas suas obras anunciem o louvor de Deus. Deus, portanto, é por nós louvado ao órgão quando pela nossa doutrina espiritual é glorificado em nossos ouvintes pela sua boa conversação. Cumprimos, deste modo, o que está escrito:

"Glorificai o Senhor em doutrinas".

Is. 24, 15

O órgão, ademais, possui forma de torre porque a multidão dos discípulos deve ser sempre forte e sublime para resistir aos inimigos.

Nas cordas, portanto, louvamos o Senhor quando exercitamos em nós mesmos as virtudes; no órgão louvamos o Senhor quando de um modo ou de outro promovemos os demais ao louvor de Deus.

"Louvai-O em címbalos bem sonoros,
louvai-O em címbalos de júbilo".

Tocam-se os címbalos percutindo-os um contra o outro. É desta maneira que eles produzem o seu som. Os címbalos significam, por isto, a honra mútua que os justos se atribuem entre si e as exortações pelas quais se auxiliam um ao outro, para que operem sempre melhor e louvem a Deus sempre mais devotamente. Destes címbalos, assim como de sua mútua percussão ou consonância, o bem aventurado Paulo nos diz:

"Amai-vos reciprocamente com caridade fraternal,
adiantando-vos em honrar uns aos outros".

Rom. 12, 10

E também:

"Estou convencido, irmãos meus, a vosso respeito,
de que vós estais cheios de toda a ciência,
de maneira que vos podeis admoestar uns aos outros".

Rom. 15, 14

E estes são os címbalos bem sonoros, os mútuos santos conselhos pelos quais os santos se incentivam a um melhor adiantamento.

Já os címbalos de júbilo designam os nossos lábios. Quando estes, louvando a Deus, se percutem mutuamente, declaram suavemente a alegria de seu júbilo. Chamamos de júbilo, de fato, a uma alegria inefável, a qual nem pode ser calada, nem pode ser expressa, o qual a Igreja representa em suas principais festividades formando várias melodias com uma mesma sílaba, como ocorre no Natal do Senhor, quando canta como um esposo que não consegue expressar a alegria de sua alma.

Agora, pois, caríssimos, louvemos o Senhor no som da trombeta, conforme dissemos, pelo ensino. Louvemo-Lo no saltério, pela contemplação; na cítara, pela boa obra. Louvemo-Lo no tímpano pela abstinência e no coro, pela concórdia. Louvemo-Lo nas cordas, exercitando em nós mesmos as virtudes; e no órgão, admoestando e incentivando pela doutrina espiritual os outros ao louvor divino. Louvemo-Lo em címbalos bem sonoros, exortando-nos mutuamente ao que é melhor; e em címbalos de júbilo, sempre cantando seu louvor em nossos lábios.

Louvemos o Senhor, porque o seu louvor é, para nós, um cântico de especial alegria. Louvemos o Senhor, porque se o louvarmos conforme devemos, seremos seu povo, do qual Ele mesmo diz:

"Eu formei este povo para mim,
ele publicará o meu louvor".

Is. 43, 21

Louvemos o Senhor, porque

"O sacrifício de louvor o honrará,
e ali mesmo estará o caminho
em que Ele nos mostrará a sua salvação".

Salmo 49, 23

Louvemos o Senhor, de quem a Escritura testemunha ser louvado por todas as suas obras, não somente as sensatas, como também as insensatas e até mesmo as insensíveis.

E já que todos não podemos todas as coisas, e cada um tem o seu dom de Deus, que cada um de nós, operando de modo excelente, cante o louvor divino naquilo em que reconhecer possuir como que uma graça especial.

Louvemos, portanto, todos o Senhor, louvemo-Lo cada um de nós. Louvemo-Lo pelos costumes, louvemo-Lo pelas vozes. Louvemo-Lo, juntamente com os homens justos, na terra e no tempo, para que, pelos méritos e pelas preces dos santos, cuja solenidade hoje celebramos, mereçamos louvá-Lo no céu com os anjos por toda a eternidade.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, Nosso Senhor, que é Deus, bendito pelos séculos.

Amén.