SERMO XCIX

Por ocasião da festa
de Santo Agostinho,
segundo as palavras do
Salmo Quadragésimo Quarto.




"Saíu de meu coração a boa palavra;
ao rei eu digo as minhas obras.
Minha língua é como a pena do escriba
que escreve velozmente".

Salmo 44, 2

Caríssimos, estas palavras que nos são propostas convém aos profetas, aos apóstolos, a todos os doutores da Igreja e a todos aqueles que, conduzidos pelo Espírito Santo, proferem a palavra de Deus. Não duvidemos que elas também convenham verdadeiramente ao bem aventurado Agostinho, cuja solenidade hoje celebramos. De seu coração saíu efetivamente a boa palavra, ele que até a sua última enfermidade ensinou na santa Igreja a palavra de Deus. Ao rei ele disse as suas obras, porque não só a si, mas a Cristo atribuíu o que santamente viveu. Sua língua foi como a pena do escriba que escreve velozmente porque, ensinado e conduzido pelo Espírito Santo, belissimamente ministrou a palavra de Deus. De onde que, nesta sua solenidade, dele cantamos que, pleno do espírito dos profetas e dos apóstolos, tornou para nós manifesto aquilo que os místicos haviam predito, fazendo refulgir depois deles de um modo singular a graça segunda de dispensar a palavra de Deus.

A tinta deste escriba é a graça, seu tinteiro é Cristo e o seu pergaminho a alma dos ouvintes. Enchendo a pena neste tinteiro, o escriba escreve com ela o que deseja no pergaminho; assim também a graça do Espírito Santo, de que Cristo está repleto, instrui os nossos corações ao preencher a língua dos doutores. E é isto o que parece significar aquilo que Cristo disse no Evangelho aos seus discípulos:

"Quando vier o Espírito da Verdade,
Ele vos ensinará toda a verdade;
não falará de si mesmo,
mas dirá tudo o que tiver ouvido,
e anunciar-vos-á as coisas futuras.
Ele me glorificará,
porque receberá do que é meu,
e vo-lo anunciará".

Jo. 16, 13-14

O Espírito Santo, de fato, assim como não procede de si mesmo, assim também não fala de si mesmo, mas do Pai e do Filho, dos quais procede. E, ao falar, divide entre nós a graça que há em Cristo, de acordo com a sua vontade. Pois

"da plenitude de Cristo,
em que estão escondidos todos os tesouros
da sabedoria e da ciência,
todos nós recebemos,
e graça sobre graça".

Jo. 1, 16 / Col. 2, 3

Os nossos corações, figurados pelo pergaminho, nos quais esta escritura espiritual é espiritualmente redigida, são fabricados, ao modo do pergaminho material, pelo amargor do arrependimento, são estendidos pelo rigor da abstinência, rapados pela remoção de toda a carnalidade e adquirem a forma quadrada pela firme estabilidade. Assim como, de fato, tudo o que é redondo é volúvel, todo quadrado é firme e estável. Os pontos significam o número, o chumbo significa o peso e a régua a medida. Pois

"tudo Deus fêz
em número, peso e medida".

Sab. 11, 21

Este número, peso e medida, ainda que por nós não possam ser compreendidos, para Deus, porém, não são incompreensíveis. Com este número, peso e medida que atribuímos ao pergaminho espiritual, parece concordar aquela passagem do Evangelho onde se lê:

"Certo homem,
ausentando-se para longe,
chamou os seus servos,
e lhes entregou os seus bens.
E deu a um cinco talentos,
a outro dois, e a outro um,
a cada um segundo a sua capacidade".

Mat. 25, 14-15

E também:

"Aquele a quem mais foi dado,
mais lhe será exigido".

Luc. 12, 48

E, do mesmo modo, também o Apóstolo:

"A cada um de nós foi dada a graça
segundo a medida da doação de Cristo".

Ef. 4, 7

A escritura, porém, que é redigida em nossos corações, é a verdade. Desta escritura o Senhor nos fala pelo Profeta:

"Eis o Testamento que Eu farei
com a casa de Israel
depois daqueles dias,
diz o Senhor:
imprimirei a minha lei nos seus corações,
e as escreverei nas suas mentes".

Jer. 31, 33

Finalmente, a mesa que é posta debaixo deste pergaminho espiritual para que nele se possa escrever a verdade são os subsídios terrenos. De onde que no Cântico dos Cânticos a esposa diz:

"A sua mão esquerda está
debaixo de minha cabeça,
e a sua direita me abraça",

Cant. 2, 6

querendo significar pela mão esquerda os bens corporais e pela direita os espirituais. De fato, as coisas terrenas servem de apoio a este corpo para que o espírito possa mais facilmente receber e cumprir o que é divino.

Examinemos, amados irmãos, se nossos corações são capazes da verdade, para que neles se escreva a verdade. Examinemos se foram fabricados pela amargura da compunção, se foram tensionados pelo rigor da abstinência, rapados pela remoção de toda a carnalidade, se adquiriram o formato quadrangular pela firme estabilidade. Porque somente de Deus parecem ser os pontos, o chumbo e a régua, isto é, o número, o peso e a medida.

Vejamos também se as palavras sagradas, a nós ministradas pelo escriba que é o Espírito Santo com a tinta da graça e pela pena que foi a língua de Santo Agostinho, são recebidas em nossos corações. Diz, de fato, Santo Agostinho em nossa regra, ou melhor, o Espírito Santo, em sua língua repleta de graça:

"Antes de tudo o mais,
seja Deus amado;
em seguida, o próximo",

e nas palavras que a estas se seguem, preceituam-se ainda muitas outras coisas sobre a continência, a obediência e a vida comum que há de um modo especial em nossa profissão. Vejamos se as palavras deste bem aventurado homem tomaram força em nós; se assim o constatarmos, não tenhamos dúvida de que o Espírito Santo operou em nós pela sua língua. E não apenas o que está contido em sua regra, mas também tudo o mais que ele escreveu, expondo, tratando e exortando sobre a Sagrada Escritura, retenhamo-lo verdadeiramente, crendo, amando e operando, para que possamos alcançar o prêmio supremo.

E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, que é Deus bendito pelos séculos.

Amén.