A POTÊNCIA DIVINA CONSIDERADA
DE MODO ABSOLUTO
- Artigo 1 da Questão I
do De potentia -
ONDE SE QUESTIONA SE EM DEUS
EXISTE POTÊNCIA
De onde que, de modo semelhante, a potência o é de duas maneiras. Uma, a potência ativa, à qual corresponde o ato que é operação, e a esta é que parece ter sido primeiramente atribuída nome de potência. A outra é a potência passiva, à qual corresponde o ato primeiro, que é forma, à qual, de modo semelhante, secundariamente foi-lhe dada o nome de potência, pois assim como nada padece a não ser em razão da potência passiva, assim também nada age a não ser em razão do ato primeiro, que é forma. Diz-se, de fato, que ao nome de ato se chegou por primeiro a partir do nome de ação. A Deus, porém, convém ser ato puro e primeiro, de onde que ao mesmo tempo convém maximamente agir e difundir sua semelhança em outros, e por isso a ele maximamente convém a potência ativa, já que a potência ativa é dita na medida em que é princípio de ação. Entretanto, o nosso intelecto se esforça por exprimir a Deus como algo perfeitíssimo. E porque em Deus o tornar-se não pode se dar a não ser por semelhança, e nem nas criaturas encontra-se algo sumamente perfeito que careça inteiramente de imperfeições, por isso nosso intelecto tenta atribuir a Deus as diversas perfeições encontradas nas criaturas, ainda que qualquer uma destas perfeições careça de algo, mas de tal modo que qualquer imperfeição que se acrescente a alguma destas perfeições seja totalmente removida de Deus. Por exemplo, o ser significa algo completo e simples, mas não subsistente. A substância, porém, significa algo subsistente mas sujeito de outros. Colocamos, portanto, em Deus a substância e o ser, mas a substância em razão da subsistência e não em razão de ser sujeito de outros, enquanto que o ser em razão da simplicidade e plenitude, e não em razão de sua inerência, pela qual é inerente a outro. E de modo semelhante atribuímos a Deus a operação em razão [do término último], e não em razão [de que a operação nele transita]. Atribuimos-lhe a potência, porém, em razão [de sua permanência e de ser princípio], e não em razão [dele alcançar um término pela operação]. Ou pode-se dizer, e melhor, que em Deus encontramos dois modos de relação. O primeiro é o das relações reais pelas quais as pessoas se distinguem entre si, como a paternidade e a filiação, [que devem ser reais] porque senão as demais pessoas divinas não se distinguiriam de modo real, mas pela razão, como afirmou Sabélio. O segundo é o das relações somente de razão, que são aquelas das quais nos referimos quando dizemos que a operação divina provém da essência divina, ou que Deus opera pela sua essência. De fato, as proposições designam certas relações. E isto acontece porque ao atribuirmos a Deus uma operação, que segundo a sua razão requer algum princípio, atribui-se também a ele a relação de existente a partir de um princípio, de onde que esta relação não é somente de razão. De fato, é da razão de operação possuir princípio, mas não da razão de essência. De onde ainda que a essência divina não tenha princípio nem segundo a coisa nem segundo a razão, todavia a operação divina possui algum princípio segundo a razão. À quinta deve-se dizer que é impossível colocar que Deus aja pela sua essência, e que não haja potência em Deus. De fato, aquilo que é princípio de ação é potência, de onde que pelo próprio fato que colocamos Deus agir pela essência divina, colocamo-la ser potência. E assim a razão de potência em Deus não derroga nem sua simplicidade, nem seu primado, porque não é colocada como algo acrescentado à essência. À sétima deve-se dizer que esta razão prova que em Deus não existe potência passiva, e isto nós o concedemos. À nona deve-se dizer que embora a essência divina seja suficiente para que por ela Deus aja, nem por isto, todavia, a potência se torna supérflua, porque a potência é entendida como alguma coisa acrescentada à essência, mas que lhe acrescenta segundo o intelecto somente uma relação de princípio; é a própria essência, na medida em que é princípio do agir, que possui razão de potência. |