Santo Tomás de Aquino


PRÓLOGO AO COMENTÁRIO ÀS
EPÍSTOLAS DE SÃO PAULO


- Condensado -




"Vai, porque este é para mim
um vaso de eleição,
para levar o meu nome
diante das gentes,
dos reis,
e dos filhos de Israel".

Atos 9, 15

O bem aventurado Paulo, que é chamado nestas palavras de "vaso de eleição", foi como o vaso de que se fala no Eclesiástico:

"Como um vaso de ouro maciço,
ornamentado de toda pedra preciosa".

Ecles. 50, 10

Paulo foi vaso de ouro por causa do fulgor da sabedoria, maciço pela virtude do amor, ornamentado de toda pedra preciosa pelas diversas virtudes que estas significam. E tal como ele próprio era, assim também ele ensinou aos demais.

Ensinou excelentissimamente os mistérios da divindade, que pertencem à sabedoria, coisa manifesta pelo que está dito na Primeira Epístola aos Coríntios:

"É a sabedoria
que nós pregamos
entre os perfeitos".

I Cor. 2, 6

Paulo também recomendou excelentissimamente a caridade, conforme lemos no décimo terceiro capítulo da Primeira Epístola aos Coríntios:

"Ainda que eu fale
a língua dos anjos e dos homens,
ainda que eu tivesse o dom da profecia
e conhecesse todos os mistérios
e toda a ciência,
ainda que eu distribuísse
todos os meus bens,
ainda que entregasse o meu corpo
para ser queimado,
se não tivesse caridade,
nada disto me aproveitaria.
A caridade nunca há de acabar,
a maior de todas (as virtudes)
é a caridade".

I Cor. 13, 1-13

Paulo instruíu também os homens sobre as diversas virtudes, como é evidente na Epístola aos Colossenses:

"Como escolhidos de Deus,
santos e amados,
revesti-vos de entranhas de misericórdia,
de benignidade,
de humildade,
de modéstia,
de paciência,
sofrendo-vos uns aos outros
e perdoando-vos mutuamente,
assim como o Senhor vos perdoou a vós.
Sobretudo tende caridade,
que é o vínculo da perfeição,
e triunfe em vossos corações
a paz de Cristo".

Col. 3, 12-14

Este vaso foi destinado a um nobre uso. Era um vaso que deveria levar, conforme diz o livro de Atos, "o nome divino", nome que era necessário levar porque estava distante dos homens por causa do pecado e da obscuridade da inteligência. Por isso, assim como os anjos nos trazem as iluminações divinas por estarmos distantes de Deus, assim também os Apóstolos nos trouxeram a doutrina de Cristo. E assim como no Velho Testamento, depois da Lei de Moisés, liam-se os profetas, que traziam ao povo a doutrina da Lei, assim também no Novo Testamento, depois do Evangelho, lê-se a doutrina dos Apóstolos, os quais trouxeram aos fiéis aquilo que ouviram do Senhor.

O bem aventurado Paulo, portanto, levou o nome de Cristo, em seu corpo primeiro, imitando sua vida e sua paixão, e também em seus lábios, pois em suas epístolas nomeia freqüentissimamente a Cristo. Pode, por isto mesmo, ser significado pela pomba, a qual, diz o livro de Gênesis, após o dilúvio

"veio até a arca
trazendo um ramo de oliveira
em sua boca".

Gen. 8, 11

Como a oliveira significa a misericórdia, corretamente pelo ramo de oliveira podemos entender o nome de Jesus Cristo, o qual também significa a misericórdia porque, segundo diz o Evangelho de Mateus,

"será chamado de Jesus,
porque salvará o seu povo
de seus pecados".

Mt. 1, 21

Paulo trouxe este ramo verdejante de folhas até a arca, isto é, a Igreja, quando lhe manifestou de múltiplos modos sua virtude e seu significado, mostrando-lhe a graça e a misericórdia de Cristo. E por isso, assim como entre as escrituras do Velho Testamento os Salmos são maximamente freqüentados pela Igreja, assim também no Novo Testamento são freqüentadas as Epístolas de São Paulo, pois em ambas estas escrituras praticamente está contida toda a doutrina teológica.

A matéria das Epístolas de São Paulo é, de fato, o nome de Cristo, que é a plenitude deste vaso, porque todo o seu ensinamento é sobre a doutrina de Cristo. Escreveu Paulo catorze epístolas das quais nove ensinam a Igreja dos Gentios (Romanos, Coríntios 1 e 2, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Tessalonicenses 1 e 2); quatro os prelados e os príncipes da Igreja, isto é, os reis (Timóteo 1 e 2, Tito e Filêmon); e uma o povo de Israel, isto é, a Epístola aos Hebreus.

Toda a sua doutrina é sobre a graça de Cristo, que pode ser considerada de três modos.

De um primeiro modo, na medida em que está na própria cabeça (do Corpo Místico que é e Igreja), isto é, em Cristo, e é deste modo que ela é tratada na Epístola aos Hebreus.

De um segundo modo, na medida em que está nos membros principais do Corpo Místico, e é deste modo que ela é tratada nas Epístolas que se dirigem aos prelados.

De um terceiro modo, na medida em que está no próprio Corpo Místico, que é a Igreja, e é assim que é tratada nas Epístolas que são dirigidas aos gentios.

Cada uma destas epístolas pode ser distinguida do seguinte modo, segundo que a própria graça de Cristo pode ser considerada de três modos.

De um primeiro modo, em si mesma, e é deste modo que é tratada na Epístola aos Romanos.

De um segundo modo, na medida em que está nos sacramentos da graça, e é assim que é tratada nas duas Epístolas aos Coríntios, na primeira das quais trata-se dos próprios sacramentos, e na segunda da dignidade dos seus ministros. E na Epístola aos Gálatas, na qual são excluídos os sacramentos supérfluos contra aqueles que queriam acrescentar aos novos sacramentos também os antigos.

De um terceiro modo, a graça de Cristo pode ser considerada segundo o efeito da unidade que ela produz na Igreja. O Apóstolo trata, portanto, primeiramente da instituição da unidade da Igreja na Epístola aos Efésios. Trata, em seguida, de sua confirmação e adiantamento na Epístola aos Filipenses. Em terceiro lugar, de sua defesa contra os erros na Epístola aos Colossenses; contra as perseguições presentes na Primeira aos Tessalonicenses e contra as futuras, principalmente aquelas que hão de vir no tempo do Anticristo, na Segunda aos Tessalonicenses.

Quanto aos prelados, Paulo instrui tanto os prelados espirituais quanto os temporais. Na Primeira a Timóteo instrui os prelados espirituais sobre a instituição, a instrução e o governo da unidade da Igreja. Na Segunda a Timóteo, sobre a firmeza contra os perseguidores. Na Epístola a Tito, instrui-os sobre a sua defesa contra os hereges. Quanto aos senhores temporais, instruíu-os na Epístola a Filêmon.

Fica evidente, deste modo, a razão da distinção e da ordem de todas estas Epístolas.