|
É o movimento, segundo Aristóteles, o que define a natureza. No Segundo
Livro da Física o filósofo afirma que pertencem à natureza aquelas coisas que
"parecem possuir um princípio
intrínseco de movimento".
|
Movimento, neste texto, possui um significado bastante amplo. Não se trata apenas do
movimento local, aquele pelo qual se dá o deslocamento de um corpo de um lugar a outro,
mas algo que abrange todas as alterações observáveis no mundo real. Neste sentido são
movimentos, além dos movimentos locais, as mudanças de cor, de temperatura e de
consistência; são movimentos também o nascimento, o crescimento e a morte dos seres
vivos, e as transformações químicas em geral.
Entendido deste modo, o movimento pertence à essência daquilo que
chamamos de natureza pois, conforme o Filósofo, o que pertence à natureza se nos apresenta
não apenas como estando em constante movimento mas, além disso, parece ter em si mesmo
um princípio de movimento. As coisas que pertencem à natureza são aquelas que, por um
caráter intrínseco, por algo que pertence à sua própria essência, são passíveis de serem
movidas. Por contraposição não pertencem à natureza todas aquelas coisas que, pelo menos
enquanto tais, não são passíveis de serem movidas.
A consideração do que seja uma mesa pode exemplificar esta definição. Na
medida em que uma mesa é um produto da arte humana, ela é imóvel. Uma vez elaborada,
tanto quanto dela depender enquanto mesa, a mesa terá sido feita para que continue sendo o
mesmo objeto indefinidamente. A mesa é, enquanto tal, imóvel. Se este objeto se corrompe
com o decorrer do tempo, não o faz por ser mesa, mas por ter sido construída em madeira ou
em ferro. É a madeira que, enquanto madeira, pode apodrecer, e é o ferro que, enquanto
ferro, pode enferrujar. Se fosse concedido ao artífice elaborar uma mesa de um material
absolutamente imutável sob quaisquer condições, um material eterno e incorruptível, no que
dependesse do artífice seria assim ele a teria feito. Mas materiais dotados destas
propriedades não existem e o artífice se vê obrigado, para elaborar a sua obra, a se servir de
outros bastante diversos. Fornecidos pela natureza, estes outros materiais são, enquanto tais,
passíveis de mutação. De onde que, na medida em que é feita de um corpo natural, a mesa é
corruptível mas, na medida em que é uma mesa, não pertence ao mundo da natureza mas ao
mundo das coisas artificiais. Estas últimas, enquanto tais, não são intrinsecamente
submetidas ao movimento.
Deste modo, segundo Aristóteles, a natureza é um princípio intrínseco de
movimento. Deve-se notar nesta afirmação que o filósofo não diz apenas que a natureza é um
princípio de movimento, mas acrescenta também que é um princípio intrínseco de
movimento. Ele faz este acréscimo para diferenciar a natureza da possibilidade de ser um
princípio extrínseco de movimento. Deseja com isto dizer que o princípio de movimento do
qual se afirma ser a natureza não é o agente exterior que provoca o movimento. Conforme
veremos mais adiante, este agente ou princípio exterior não apenas existe, como também será
sempre necessário que exista, mas ele não é a natureza. Assim, para que a água se aqueça,
será necessário haver um agente exterior que a aqueça. Este agente exterior é também,
inegavelmente, um princípio de movimento, mas a natureza não é este agente exterior. O
princípio de movimento que afirmamos ser a natureza é uma possibilidade natural que faz
com que a água, enquanto tal, possa ser aquecida e esta possibilidade está na própria água.
Quando algum ente é movido segundo esta possibilidade ou tendência que já está na própria
essência do ente movido, ainda que este seja movido por um agente externo que, conforme
veremos, sempre terá que existir, o movimento será dito natural.
Colocadas as coisas deste modo, a primeira questão que se levanta será a de
se determinar qual é ou quais são os princípios intrínsecos que explicam os movimentos
ditos naturais. Sejam eles quais ou quantos forem, seja apenas um, sejam dois ou mais, estes
princípios serão denominados de natureza, pois, segundo Aristóteles, a natureza é um
princípio intrínseco de movimento.
|