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O que foi dito aqui é o bastante para tirar um homem de si e
faze-lo estremecer e não estaria fora de lugar aplicar ao presente
caso aquelas palavras do profeta:
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"Pasmou-se o céu sobre isto e a
terra se estremeceu sobremaneira".
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E aquelas
outras:
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"Coisas de assombro e de espanto aconteceram sobre a terra".
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E o mais grave deste caso é que não só pessoas
estranhas e que nada têm a ver com aqueles a quem se aconselha a
abraçar a vida monástica se irritam e se desgostam por isto, mas são
capazes também de irar-se os próprios pais e parentes.
Sim, eu não ignoro que existem muitos que não se surpreendem de que
assim se comportem os pais e os parentes; o que lhes sufoca de
irritação - dizem - é ver que o mesmo fazem aqueles que não são
nem pais, nem parentes, nem amigos, e nem por algum outro conceito
ligados a quem abraça a filosofia, e, freqüentemente, sem sequer
conhecê-los, superam os próprios pais em morder, combater, e
afrontar aos que os persuadiram a isto. Mas o que me parece
surpreendente é justamente o contrário. Porque não é nada estranho
que aqueles que não se sentem ligados por vínculo algum de parentesco
nem de amizade se lamentem pelos bens alheios; uns, vítimas da
inveja; outros, que têm como sua própria ventura a perdição dos
demais; pensamento, por certo, apoucado e vil, mas que ocorre em
certas pessoas. Mas os pais que os geraram, que os criaram, que
diariamente fazem votos de vê-los mais importantes que eles mesmos, e
que para conseguir estas glorias não deixam pedra por mover; que
estes, repito, como se despertassem de uma bebedeira, sintam pena de
que seus filhos sejam levados para a filosofia, isto sim é coisa que
me surpreende acima de toda a ponderação e afirmo ser argumento
suficiente de que tudo está corrompido. Caso semelhante não se pode
citar nem nos tempos passados, quando o terror imperava
escancaradamente. Embora, uma vez tenha acontecido em uma cidade
gentil; mas foi em regime de tirania. E ainda então não foi, como
agora, um pai, mas os que haviam tomado a cidadela, e nem foram
todos, mas o mais abominável de todos, o que chamou Sócrates e o
intimou que não falasse mais sobre filosofia. Mas se Critias cometeu
este ato de violência foi porque era um tirano, incrédulo e cruel,
que em todos os seus atos maquinava a ruína da república, gozava com
as desgraças alheias e sabia que nada há de tão eficaz para derrubar
a melhor constituição política que uma ordem semelhante. Porém
estes que são crentes e vivem em cidades, ao que parece, bem
governadas e olham pelo bem de seus filhos, se atrevem a falar a mesma
linguagem dos tiranos sobre seus súditos subjugados, e não se
envergonham disto. De modo que devemos nos admirar mais de que os pais
se irritem, do que os estranhos.
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