NINGUÉM QUER, MESMO QUE POSSA, FAZER MAL AO MONGE |
7. |
E que as minhas palavras não são puro ruído, prova o fato de
que, pelo andar de nossas pesquisas, encontramos um outro poder maior
do que este que dissemos. Porque não é só que ninguém possa lhe
fazer mal; é que também não se verá ninguém que queira faze-lo;
com isto a sua segurança está duplamente protegida. Que vida,
pois, pode existir mais divina que esta em que ninguém há de querer
nem, ainda que quisesse, ninguém poderia nos fazer mal? E,
assinaladamente, quando o não querer não procede, como acontece
normalmente, do não poder, mas de não achar motivo algum. Porque
se se tratasse de um só destes extremos, quero dizer, do mero não
poder, o benefício não seria tão grande, pois a própria
impotência engendraria ódio profundo em quem quisesse e não pudesse
prejudicar. E, ainda assim, esta não seria pequena felicidade.
Pois examinemos já, se estiveres de acordo, primeiramente este
ponto. Pois bem, dize, quem terá interesse em prejudicar quem não
tem nada a ver com os homens, que não se mete em tratos e contratos,
não tem terras, nem maneja dinheiro, nem entende de negócios, nem
se mete em nenhuma outra coisa? Que campos, que escravos, que
valores poderiam ser objeto de contenda? O que se pode temer, que
injúria se pode receber de um monge? Na verdade, o que nos empurra a
prejudicar aos outros é ou a inveja, ou o medo, ou a ira. Mas o
monge, mais rei que todos os reis, está acima de todas estas
paixões. Quem vai realmente invejar ao que ri de tudo isto que faz os
homens se matarem e se açoitarem? Quem se irritará, quando em nada
é ofendido? Quem temerá, se de nada suspeita?
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