3.
|
Pois consideremos agora a magnitude de vosso pecado e, subindo de
grau em grau, mostremos como o descuidar dos filhos é um pecado que
ultrapassa todos os pecados e toca a própria cúspide da maldade.
Assim, pois, o primeiro grau da crueldade e da maldade é descuidar
dos amigos... Mas não. Desçamos ainda mais abaixo com nosso
raciocínio. Porque não sei como nem porque, a pouco me passou por
alto que a antiga lei, que foi dada aos judeus, não consente que se
descuide nem das bestas dos inimigos que caíram ou se extraviaram; no
caso haveria que retorná-las para o caminho, e em outro caso
ajudá-las a levantar (Ex 23, 4-5).
Assim, pois, subindo de baixo para cima, o primeiro escalão de
maldade e de crueldade é descuidar ou passar ao largo das bestas e do
gado de nossos inimigos, quando sofrem um acidente grave; o segundo,
mais alto que este, é o descuidar dos próprios inimigos, pois quanto
mais vale o homem do que o animal, tanto é maior pecado descuidar de
um ou do outro; o terceiro, menosprezar aos irmãos na fé, mesmo que
sejam desconhecidos; o quarto, descuidar dos criados; o quinto,
quando não nos importa que percam o corpo, mas também a própria
alma; o sexto, quando já não são os domésticos em geral, mas os
próprios filhos, cuja perdição ou corrupção em nada nos importa;
o sétimo, quando tampouco procuramos outros que cuidem deles; o
oitavo, quando impedimos e proibimos que outros o façam por impulso
próprio; o nono, quando não só os impedimos, mas lhes declaramos
guerra. Pois bem, se tão grave castigo se segue ao primeiro,
segundo e terceiro graus desta maldade, que fogo não virá do nono,
que ultrapassa a todos os outros e é justamente o vosso? Ou, melhor
dizendo, não o nono, mas o décimo e ainda o undécimo grau de
maldade poderia muito bem se chamar este. Por que? Porque este
pecado não só é por natureza muito mais grave que os antes
enumerados, mas sua malícia aumenta pela razão do tempo. O que quer
dizer esta razão do tempo? Pois, que, embora cometendo nós agora
os mesmos pecados que aqueles que viveram sob a lei, não serão os
mesmos os tormentos com que seremos castigados, mas serão tão mais
graves quanto gozamos de dom mais excelente e nos foi dada a mais
perfeita doutrina e fomos distinguidos com mais alta honra. De modo
que, como este pecado se faz tão grave pela sua própria natureza e
pelo tempo em que se comete, considera a quantidade de fogo que se
acumulará sobre a cabeça de quem o praticar.
| |