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Uma das idéias fundamentais em torno da qual 
construiu-se a pedagogia vitorina está contida no opúsculo sobre 
o modo de aprender e de meditar.  
 
 
Nele Hugo afirma que há três operações básicas da alma 
racional, as quais constituem entre si uma hierarquia, e que 
devem, portanto, ser desenvolvidas uma em sequência à outra.  
  
 
A primeira ele a denomina de pensamento.A segunda, de 
meditação. A terceira, de contemplação.  
 
  
O pensamento ocorre, diz Hugo, "quando a mente é 
tocada transitoriamente pela noção das coisas, ao se 
apresentar a própria coisa, pela sua imagem, subitamente à 
alma, seja entrando pelo sentido, seja surgindo da 
memória".  
  
 
Entre os ensinamentos de Hugo de São Vítor entra aqui 
o papel que a leitura adquire na pedagogia. A importância da 
leitura reside em que ela pode ser utilizada para estimular a 
primeira operação da inteligência que é o pensamento. Mas ao 
mesmo tempo a limitação da leitura está em que ela não pode 
estimular as operações seguintes da inteligência, a meditação e a 
contemplação, a não ser indiretamente, na medida em que a leitura 
estimula o primeiro estágio do pensamento que é pressuposto dos 
demais. Isto significa que requer-se uma teoria da leitura em que 
o mestre saiba utilizar-se dela para produzir o pensamento, e ao 
mesmo tempo compreenda que há outros processos mentais mais 
elevados que devem também ser desenvolvidos mas que podem vir a 
ser impedidos por uma concepção errônea por parte do mestre que 
não conseguisse compreender que estes não dependem mais 
diretamente da leitura. A importância do assunto é tão grande que 
os seis primeiros livros do Didascalicon serão dedicados à teoria 
da leitura.  
  
 
A segunda operação da inteligência, continua Hugo, é a 
meditação. A meditação baseia-se no pensamento, e é "um assíduo 
e sagaz reconduzir do pensamento, esforçando-se para 
explicar algo obscuro, ou procurando penetrar no que ainda 
nos é oculto".  
  
 
O exercício da meditação, assim entendido, exercita o 
engenho. Como a meditação, porém, se baseia por sua vez no 
pensamento e o pensamento é estimulado pela leitura, temos na 
realidade duas coisas que exercitam o engenho: a leitura e a 
meditação.  
  
 
Segundo as palavras de Hugo, "na leitura, mediante 
regras e preceitos, somos instruídos a partir das coisas 
que estão escritas. A leitura também é uma investigação do 
sentido por uma alma disciplinada. A meditação toma, 
depois, por sua vez, seu princípio da leitura, embora não 
se realizando por nenhuma das regras ou dos preceitos da 
leitura. A meditação é uma cogitação frequente com 
conselho, que investiga prudentemente a causa e a origem, 
o modo e a utilidade de cada coisa". 
  
 
Mas acima da meditação e baseando-se nela, existe 
ainda o que Hugo chama de contemplação. Ele explica o que é a 
contemplação e no que difere da meditação do seguinte modo:  
 
 
 
| "A contemplação é uma visão livre e perspicaz da alma
 de coisas que existem em si
 de modo amplamente disperso.
 
 Entre a meditação e a contemplação
 o que parece ser relevante
 é que a meditação é sempre de coisas ocultas
 à nossa inteligência;
 a contemplação, porém, é de coisas que,
 segundo a sua natureza,
 ou segundo a nossa capacidade,
 são manifestas;
 e que a meditação sempre se ocupa
 em buscar alguma coisa única,
 enquanto que a contemplação se extende
 à compreensão de muitas,
 ou também de todas as coisas.
 
 A meditação é, portanto,
 um certo vagar curioso da mente,
 um investigar sagaz do obscuro,
 um desatar o que é intrincado.
 
 A contemplação é aquela vivacidade da inteligência,
 a qual, já possuindo todas as coisas,
 as abarca em uma visão plenamente manifesta,
 e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca,
 a contemplação possui".
 
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Estas passagens do Opúsculo sobre o Modo de Aprender mostram 
um dos ponto básicos da pedagogia de Hugo, o de levar o discípulo 
do pensamento à contemplação. Em outras partes de sua obra ele 
abordará o modo como isto pode ser feito. 
  
 
Mas antes que tratemos deste outro aspecto da questão, 
cumpre fazer a seguinte pergunta, importantíssima para os 
educadores de hoje. Um dos maiores pensadores educacionais 
brasileiros de nosso século, Anísio Teixeira, escreveu em um 
famoso livro intitulado Educação para a Democracia exatamente 
as seguintes palavras:  
 
 
 
| "A vida já não é governada pelos velhos índices de intelectualidade
 herdados da idade média.
 
 Hoje todos têm que produzir.
 
 Técnicas científicas e industriais
 sobrepuseram-se aos encantamentos da vida do espírito.
 
 Precisamos sentir o problema da educação
 conforme ele é,
 um processo pelo qual a população se distribui
 pelos diferentes ramos do trabalho diversificado
 da sociedade moderna" (4) .
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Ora, Hugo de S. Vítor desenvolve uma pedagogia que desemboca em 
uma atividade chamada contemplação que se ocupa, conforme ele 
próprio diz, de coisas que já nos são manifestas. Mas se nos são 
já manifestas, por que se ocupar ainda nelas? Poderá uma educação 
assim ter ainda alguma justificativa na sociedade moderna?  
  
 
Hugo provavelmente responderia a esta pergunta com 
três argumentos.  
  
 
Em primeiro lugar, a contemplação se ocupa, é verdade, 
de coisas já manifestas, e o homem moderno, ocupado em seu 
utilitarismo imediato, geralmente não percebe as vantagens de se 
cultivar uma qualidade destas. Pelo fato de se ocupar com coisas 
manifestas, a contemplação, conforme disse Hugo, não se ocupa em 
buscar "alguma coisa única, mas se estende à compreensão 
simultânea de muitas ou também de todas as coisas". Ora, é 
evidente que esta é a atividade fundamental que está por trás de 
todas as grandes sínteses filosóficas da história, como as obras 
de Aristóteles, de Tomás de Aquino, e outras. É evidente que é 
também esta a atividade fundamental que está por trás das grandes 
sínteses científicas, como a física Newtoniana e a Teoria da 
Relatividade. É evidente que esta é a operação intelectual 
fundamental que deveria estar por trás também de outras 
atividades tão vivamente exigidas nos dias de hoje como a correta 
orientação política de uma nação e até mesmo o ordenamento 
plenamente consciente de um sistema educacional. Em suma, é a 
contemplação, e não a análise, a atividade básica das mais 
fundamentais conquistas do pensamento humano em todos os tempos. 
Foi também, evidentemente, a atividade fundamental que estava por 
trás do monumento do pensamento que foi em sua época o tratado De 
Sacramentis Fidei Christianae, uma obra de síntese e 
sistematização em teologia como até aquela época, conforme já 
mencionamos, ainda não havia aparecido igual. 
  
 
Obras filosóficas e sínteses deste porte ainda surgem 
hoje em dia; mas a diferença é que hoje em dia elas aparecem 
apesar das escolas, enquanto que na época da escola de São Vítor 
e na época em que Aristóteles estudou com Platão elas surgiam por 
causa das escolas. O tipo de gênio que havia em Newton e em 
Einstein foi desenvolvido por eles próprios sem que, entretanto, 
o soubessem desenvolver em seus alunos. Na escola de Platão, o 
gênio do mestre soube reproduzir-se em Aristóteles, e na de São 
Vítor o gênio de Hugo soube reproduzir-se em Ricardo, e, menos 
diretamente, em diversos contemporâneos que reproduziram seu 
sistema de ensino. 
  
 
Mas, ademais, em segundo lugar, não é necessário 
produzir obra alguma para que a contemplação seja alguma coisa de 
enorme importância para o homem. A contemplação sempre foi 
colocada em todas as épocas da história, com exceção, talvez, da 
idade moderna, como o mais significativo elemento de 
enobrecimento da mente humana, algo que não precisava de nenhuma 
justificativa além de si mesma para ser cultivada. Esta foi a 
posição de todos os principais filósofos gregos. No cristianismo, 
também, a experiência religiosa dos primeiros Santos Padres 
apontou esta capacidade como sendo elemento fundamental para a 
compreensão profunda das grandes verdades do cristianismo, apesar 
de, e isto é significativo, em nenhuma parte das Sagradas 
Escrituras esta capacidade ser descrita nos termos empregados por 
Hugo de São Vítor. Esta afirmação dos Santos Padres tem sua 
similar nos antigos filósofos gregos quando estes também 
colocaram que nenhum dos problemas existenciais básicos do ser 
humano pode ser convenientemente abordado sem ser por este meio.  
  
 
Estes dois motivos talvez já bastassem, mas existe 
ainda um terceiro para Hugo de S. Vítor que talvez seja o mais 
importante. É que, ao contrário do que parece dar a entender o 
opúsculo sobre o modo de aprender, a contemplação não é ainda a 
meta final da pedagogia. Assim como a meditação se fundamenta no 
pensamento, e a contemplação se baseia na meditação, outras 
operações se baseiam, por sua vez, na contemplação. Estas, porém, 
são tratadas em outros trabalhos de Hugo.  
 
 
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