São João Crisóstomo
349 - 407 DC

CONTRA OS IMPUGNADORES
DA VIDA MONÁSTICA

DISCURSO SEGUNDO

A UM PAI INFIEL



A ABSURDA DOR DOS PAIS, PORQUE SEUS FILHOS PROFESSAM A VIDA MONÁSTICA

1.

O que foi dito aqui é o bastante para tirar um homem de si e faze-lo estremecer e não estaria fora de lugar aplicar ao presente caso aquelas palavras do profeta:

"Pasmou-se o céu sobre isto e a terra se estremeceu sobremaneira".
Jer 2, 12

E aquelas outras:

"Coisas de assombro e de espanto aconteceram sobre a terra".
Jer 5, 30

E o mais grave deste caso é que não só pessoas estranhas e que nada têm a ver com aqueles a quem se aconselha a abraçar a vida monástica se irritam e se desgostam por isto, mas são capazes também de irar-se os próprios pais e parentes.

Sim, eu não ignoro que existem muitos que não se surpreendem de que assim se comportem os pais e os parentes; o que lhes sufoca de irritação - dizem - é ver que o mesmo fazem aqueles que não são nem pais, nem parentes, nem amigos, e nem por algum outro conceito ligados a quem abraça a filosofia, e, freqüentemente, sem sequer conhecê-los, superam os próprios pais em morder, combater, e afrontar aos que os persuadiram a isto. Mas o que me parece surpreendente é justamente o contrário. Porque não é nada estranho que aqueles que não se sentem ligados por vínculo algum de parentesco nem de amizade se lamentem pelos bens alheios; uns, vítimas da inveja; outros, que têm como sua própria ventura a perdição dos demais; pensamento, por certo, apoucado e vil, mas que ocorre em certas pessoas. Mas os pais que os geraram, que os criaram, que diariamente fazem votos de vê-los mais importantes que eles mesmos, e que para conseguir estas glorias não deixam pedra por mover; que estes, repito, como se despertassem de uma bebedeira, sintam pena de que seus filhos sejam levados para a filosofia, isto sim é coisa que me surpreende acima de toda a ponderação e afirmo ser argumento suficiente de que tudo está corrompido. Caso semelhante não se pode citar nem nos tempos passados, quando o terror imperava escancaradamente. Embora, uma vez tenha acontecido em uma cidade gentil; mas foi em regime de tirania. E ainda então não foi, como agora, um pai, mas os que haviam tomado a cidadela, e nem foram todos, mas o mais abominável de todos, o que chamou Sócrates e o intimou que não falasse mais sobre filosofia. Mas se Critias cometeu este ato de violência foi porque era um tirano, incrédulo e cruel, que em todos os seus atos maquinava a ruína da república, gozava com as desgraças alheias e sabia que nada há de tão eficaz para derrubar a melhor constituição política que uma ordem semelhante. Porém estes que são crentes e vivem em cidades, ao que parece, bem governadas e olham pelo bem de seus filhos, se atrevem a falar a mesma linguagem dos tiranos sobre seus súditos subjugados, e não se envergonham disto. De modo que devemos nos admirar mais de que os pais se irritem, do que os estranhos.