OS PRÊMIOS E CASTIGOS DA VIDA FUTURA

E chegamos ao ponto capital, pois por mais incrédulo e pagão que tu sejas, também admitirás este raciocínio. Indubitavelmente, tu já ouviste falar dos rios Cocito e Periflegonte, da água da lagoa Estígia e do Tártaro que dista da terra o quanto a terra do céu e de muitos gêneros de castigo. Porque, embora os gentios não tenham podido dizer como são realmente estas coisas, no final como que guiados unicamente pela razão e pelo que ouviram dos nossos dogmas, com efeito, ainda tiveram como que um vislumbre do juízo, e encontrarás especulações de todos os poetas, filósofos e historiadores acerca destas verdades. E também já ouvistes falar de campos Elíseos e de ilhas afortunadas e campinas e mirtos e aura delicada e abundante fragrância, que dançam, e dos coros que vivem ali, vestidos de branca roupagem, entoam certos hinos, e que a bons e a maus espera, de modo absoluto, o merecido, depois da viagem da presente vida.

Pois bem, com estes pensamentos como pensas que vivem os bons e os maus? Não é verdade que os maus, que se envolvem com estes prazeres, ainda supondo que os gozem sem dor e tudo na vida lhes saia a contento, sentem-se aguilhoados, como por um açoite, pelos remorsos de sua consciência e o temor dos tormentos que os esperam; os bons, ao contrário, por maiores calamidades que tenham que sofrer, têm, como disse Píndaro (frag.233), a esperança como nutriz, que não os deixa sentir os males da vida presente?

De sorte que, ainda por este lado, o prazer da virtude é maior que o prazer do pecado. Muito melhor é efetivamente, começar por trabalhos momentâneos e terminar em descanso sem fim, que não gozar em um momento de prazeres aparentes e terminar nos tormentos mais amargos e insuportáveis. Enfim, se a tudo isto se adiciona o que já está assentado e concordado, a saber, que a vida virtuosa é também neste mundo mais agradável, não será forçoso façamos agora o que no começo do meu discurso eu disse: que lastimemos os que choram estes bens? Não. Não merece certamente teu filho que o lastimemos, mas que o aplaudamos e coroemos, como alguém que se elevou a uma vida sem tormentas e a um porto tranqüilo.