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Em conclusão, haverá ainda quem ouse afirmar que é possível 
salvar-se no meio de tantos males? Com que meios? Porque acontece 
que quem logra escapar da loucura dos intemperantes (e são muito 
poucos), ainda terá que se haver com aqueles outros tirânicos 
amores, que tudo corrompem: o amor ao dinheiro e a ambição de 
glória, e a maioria das pessoas se deixa levar por estes vícios e com 
mais excesso e descontrole pela devassidão. Ademais, quando queremos 
dedicar nossos filhos ao estudo das letras, não nos contentamos em 
remover de diante deles os obstáculos a sua instrução, mas lhes 
proporcionamos todo gênero de ajuda, e assim lhes colocamos criados e 
mestres, gastamos dinheiro, os livramos de qualquer outra ocupação 
e, com mais insistência do que os treinadores dos atletas olímpicos, 
não cessamos de repetir como da instrução vem a riqueza e da 
ignorância nasce a miséria; enfim, por palavras e obras, por nós 
mesmos ou por outros, nada omitimos para conduzi-los ao término e ao 
objetivo do estudo empreendido, e, muitas vezes, nem assim chegamos a 
nosso intento. E pensamos que a formação de nosso caráter e a 
perfeição da vida cairão aos seus pés lindamente, a despeito e 
apesar de todos os obstáculo que se lhes põem diante? Existe 
aberração mais perniciosa que ter o fácil por digno de tão grande 
honra e empenho, por pensar que sem isto não se pode conseguir 
completamente, e crer que o difícil nos há de chover do céu, 
enquanto dormimos, como coisa fútil e sem importância? Quando a 
verdade é que a filosofia da alma é tanto mais trabalhosa e difícil, 
quanto custa mais esforço fazer do que falar, quanto se distanciam as 
obras das palavras. 
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