CONTRASTE ENTRE A VIDA DOS MOSTEIROS E A VIDA DO MUNDO

11.

Nada disto se vê nos mosteiros. Por mais violenta que seja a tempestade que se desencadeie do lado de fora, só eles gozam de porto seguro e de muita calma e segurança, como se do céu estivessem contemplando os naufrágios dos outros. Na verdade, eles escolheram um gênero de vida que convém ao céu e seu estado não é em nada inferior ao dos anjos. E assim, do mesmo modo que entre os anjos não ha nenhuma diferença e não acontece que uns vivam prosperamente e outros se encontrem na extrema miséria, mas todos gozam de mesma paz, da mesma alegria e da mesma glória; assim é, nem mais nem menos, também entre os monges. Ninguém tem como desonra a pobreza, e ninguém é considerado pela riqueza. Banidas estão as palavras "teu" e "meu" que tudo transtornam e confundem, e tudo entre eles é comum: a mesa, a residência e as roupas. E o que tem isto de maravilhoso, quando a alma é também a mesma e uma só em todos? Todos são nobres com a mesma nobreza, todos são escravos com a mesma escravidão, todos são livres com a mesma liberdade. Ali há uma só riqueza para todos, a verdadeira riqueza, e uma só glória para todos, a verdadeira glória, pois não põem os bens nos nomes, mas nas coisas: um só prazer, um só desejo, uma só esperança para todos. Tudo está perfeitamente ordenado como com régua e esquadro. Não há ali desordem alguma. Tudo é ordem, ritmo e harmonia, e concórdia absoluta, e motivo constante de alegria. Por isto todos fazem e sofrem tudo para que todos vivam felizes e contentes. E assim, só entre os monges podemos ver esta pura alegria que não acontece em nenhuma outra parte, não só porque desprezaram o presente e cortaram pela raiz toda ocasião de dissensão e luta; não só porque têm as mais belas esperanças para o futuro, mas também pelo fato de que cada um considera como seu tudo quanto acontece de alegria ou tristeza aos demais. Deste modo, a tristeza desaparece facilmente, pois todos levam a carga, como se fossem um só, e se acrescentam os motivos de alegria, pois não se alegram só pelos próprios bens, mas também - e não menos que pelos próprios - pelos bens alheios.

Sendo assim, como afirmar que se vai perder tudo se todos imitamos homens desta têmpera? Agora é que está tudo perdido e corrompido, por culpa dos que estão muito distante de se exercitar neste gênero de vida . Quando tu dizes o contrário, fazes o mesmo que alguém que dissesse que a lira bem afinada não serve para nada, e que a desafinada, com as cordas muito tensas ou muito frouxas, é que pulsa maravilhosamente e encanta os ouvintes. Quem falasse deste modo, não poderia dar melhor prova de sua falta de sentido musical, como não há sinal mais claro de inveja e maledicência do que condenar a vida religiosa.