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E o que dizer da destruição da constituição e da ordem? Esta
peste, suscitada por estes perversos, está prestes a arrancar das
cabeças do povo até o último pensamento sobre a providência de
Deus: de tal modo avança e se estende, e está a ponto de invadir
tudo e transtornar tudo, e já não se contenta com nada menos que
combater o próprio céu, armando as línguas dos homens não só
contra seus semelhantes, mas também contra o próprio Senhor e
soberano de todas as coisas. Porque, de onde procede que em todas as
partes se importem tanto com o destino? Por que o povo atribui todas
as coisas ao curso cego das estrelas? Por que há quem renda culto à
sorte e ao azar? De onde tiram que tudo acontece ao acaso e sem
razão? Pelos que vivem modesta e sobriamente ou por estes que dizes
ser o sustentáculo da república e eu te demonstrei que constituem a
pestilência comum do mundo inteiro? Por estes, evidentemente.
Ninguém, efetivamente, se irrita porque este exerça a filosofia e o
outro viva sóbria, modesta e castamente e despreze as coisas
presente; o que revolta é ver que um se enriquece e goza e é avaro e
ladrão, e que sendo uma pessoa má e carregada de crimes passa por
homem ilustre e prospera às mil maravilhas. Por isto acusam, isto
jogam os incrédulos contra Deus; disto o povo se escandaliza; pois
por causa dos que vivem decentemente, não só não poderão dizer uma
só dessas palavras, mas condenarão a si mesmos se tentarem acusar a
providência de Deus. E se todos, ou pelo menos a maior parte, se
decidissem a viver assim, nem teria ocorrido a ninguém falar deste
modo e nem se teria introduzido o que é o remate de todos estes males,
toda esta especulação acerca da origem do mal. Porque se não
existisse o mal e nem aparecesse em nenhuma parte, quem iria se meter a
inquirir a causa do mal e originar com esta inquisição inúmeras
heresias? Por isso apareceram de fato, Marción, Manes, Valentim
e a maior parte dos gentios. Mas se todos professassem a filosofia,
não haveria porque entrar em tais investigações e, se não por outro
argumento, pelo menos por nossa vida perfeita, todo o mundo se
convenceria de que vivemos sob o império de Deus e que Ele rege e
governa nossas coisas conforme sua sabedoria e providência. É verdade
que também agora é Ele que move tudo, mas não parece tão claro,
pela grande escuridão que estes malvados espalharam pela terra
inteira. Se não fosse isto, a providência de Deus brilharia para
todos como um céu sereno em pleno meio dia. Se não existissem
tribunais, nem acusadores, nem delatores, nem torturas e suplícios,
nem confiscos e multas, nem temores e perigos, nem inimizades e
intrigas, nem injúrias e ódio, nem fome e peste, nem outro mal
além dos enumerados, mas que todos vivessem com a moderação
conveniente, quem dos viventes poderia duvidar da providência de
Deus? Absolutamente ninguém. Mas ao contrário, acontece-nos o
que poderia se passar em uma grande tormenta em que o piloto cumprisse,
sim, seu dever e salvasse a nave, porém é tal a confusão, o medo e
a angustia pelos males que os ameaçam, que não os tripulantes não
vêm a perícia consumada do piloto. Também agora , leva Deus, sem
dúvida, o timão de todas as coisas, mas o povo não o vê por causa
da tormenta e da confusão em que andam todas as coisas, de que são
principalmente culpados estes malvados. Em conclusão, não só
transtornam a república, mas são também a pestilência da
religião, e não erraria quem os qualificasse como inimigos universais
do gênero humano, como os que vivem contra a salvação dos outros e
tratam de afogar, com suas doutrinas abomináveis e vidas impuras,
seus companheiros de navegação.
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