O MUNDO FOI CONVERTIDO SEM A ARTE DA ELOQÜÊNCIA

12.

Tudo isto - repito - basta para um infiel; para um cristão, além de tudo isto, devemos alegar também exemplos tomados de nossa religião. Que exemplos? Aqueles primeiros grandes e santos varões que viveram quando ainda não existiam as letras; os que vieram depois, quando já havia letras, mas não a experiência dos discursos; os que seguiram a estes, quando havia letras e experiência de discursos. Pois bem, os primeiros foram alheios a um e a outro, pois não só careciam de toda a instrução na arte dos discursos, como ignoravam as próprias letras. E contudo, mesmo naquilo em que mais necessária parece a força da eloquência, deixaram para trás com tanta vantagem os mais eloqüentes oradores que estes parecem crianças que não chagaram ao uso da razão. Porque se toda a força da eloquência está em persuadir e sabemos que os filósofos não conseguiram jamais ganhar de um só tirano e os nossos iletrados e ignorantes converteram toda a terra, é patente que a estes corresponde a palma da sabedoria, não aos que tão bem conheciam a arte do bem falar. De onde se vê bem que a verdadeira instrução e a verdadeira sabedoria não é outra coisa senão o temor de Deus.

E que ninguém pense que trato de decretar como lei que nossos filhos sejam ignorantes. Não. Se me asseguram o principal, eu não tenho inconveniente em que se dê também o outro por acréscimo. Se uma casa treme em suas bases e ameaçam cair as suas quatro paredes, seria insensatez e loucura extrema correr aos decoradores, e não aos pedreiros; mas seria também teimosia inoportuna, estando as paredes firmes e seguras, não deixar que a decorassem desde que o dono tivesse vontade.