SÃO DESFEITOS OS ÚLTIMOS PRETEXTOS: A INCERTEZA DA PERSEVERANÇA NÃO É MOTIVO PARA SE IMPEDIR A VOCAÇÃO

Por isso, eu vos exorto a que abandoneis toda obstinação e queirais ser pais de filhos filósofos. Já não podeis alegar nem este pretexto que ouço de muitos. Que pretexto é este? - Como sabíamos - dizem - que não poderiam chegar até o fim, os impedimos de seguir a sua vocação.

A isto respondo que, ainda que com toda a certeza o soubesses e não se tratasse de mera conjectura - e o fato é que muitos dos que se esperava que iam cair, se mantiveram firmes -, nem ainda neste caso se deveria lança-lo para baixo. Se vemos que alguém vai cair e nos adiantamos em dar-lhe uma rasteira, a possibilidade da queda não basta para nos desculpar, antes, isto é justamente o que mais nos condena. Porque não deixaste que a queda se devesse só a sua própria negligência e não de que te adiantasses em arrebatar o pecado e atraísses toda a culpa sobre a tua própria cabeça? Ou, melhor dizendo, nem sequer devias ter consentido que caísse. Porque, efetivamente, não fizeste todo o possível para evitar a queda de teu filho? De modo que, justamente porque sabias que teu filho ia cair, por isso principalmente és digno de castigo. Porque aquele que isso sabia de antemão não tinha que derrubar, mas estender a mão e redobrar o empenho para que este que estava a ponto de cair se mantivesse valentemente em pé, quer conseguisse se manter, quer não. Nosso dever é fazer tudo o que está a nosso alcance, mesmo que ninguém tire nenhum fruto do nosso trabalho. Por que razão e para que fim? Para que sejam eles, e não nós, que tenham que prestar contas a Deus. Pois foi Ele mesmo que disse ao criado que não havia negociado com o talento:

"Devias ter posto meu dinheiro no banco e eu, quando voltasse, o teria recuperado com o lucro".
Mt 25, 27

Obedeçamos, portanto, a quem deste modo nos exorta, a fim de escapar também ao castigo. Pois seguramente não conseguiremos enganar a Deus, como aos homens. Porque Deus pesquisa os corações e expõe tudo à luz do dia e Ele é quem nos faz responsáveis a todo o momento pela salvação de nossos filhos. Se quem não pôs o dinheiro no banco foi castigado, o que terá que sofrer quem impede aqueles que o querem pôr? E como tiveste vontade de impedi-los, o castigo será o mesmo, tanto se por vossos conselhos são vossos filhos arrastados para o torvelinho das coisas da vida, como se, resistindo bravamente a vosso ataque, voltem outra vez aos montes. Porque, do mesmo modo que quem trata de levar alguém à filosofia, consiga ou não convence-lo, tem assegurada sua recompensa (pois fez a sua parte); assim o que tenta corromper, consiga ou não realizar o seu intento, sofrerá o mesmo castigo, pois também este fez o que estava a seu alcance. De sorte que, ainda que todos os vossos esforços para derrubar os pensamentos generosos de vossos filhos tivessem resultado inúteis, sofreríeis o mesmo castigo que se de fato os tivesses derrubado.