V.10.

Modos de aquisição da virtude.

De tudo o que foi dito pode-se concluir que alcançar o termo médio da virtude é difícil; afastar-se dele, porém, é fácil.

Alcançar o termo médio da virtude implica em uma dificuldade semelhante à determinação do centro de um círculo, que não é algo que qualquer um seja capaz, mas algo próprio do que conhece, isto é, algo próprio do geômetra, enquanto que afastar-se do centro qualquer um pode fazê-lo e de modo fácil.

Semelhantemente ocorre com dar dinheiro e gastá-lo para si. Que alguém dê algo a quem é preciso dar, e quanto é preciso, e quando é preciso, e pelo motivo necessário e como é necessário, não é para qualquer um, nem é fácil, mas, ao contrário, é raro, e é difícil, louvável e virtuoso, na medida em que é segundo a razão (59).

Por tudo isso é importante conhecer os modos pelos quais alguém pode-se tornar virtuoso. Seguindo a Aristóteles, Tomás de Aquino determina no Comentário à Ética três modos de alcançar a virtude. O primeiro modo deriva da própria natureza da virtude, o segundo da natureza individual do homem e o terceiro da natureza comum a todos os homens.

O primeiro modo, tomado da natureza própria da virtude, consiste em que aquele que pretende alcançar o termo médio da virtude se preocupe principalmente em afastar-se do extremo que mais é contrariado pela virtude. Se alguém deseja alcançar o termo médio da fortaleza, deve ter um cuidado especial em afastar-se da timidez, que mais se opõe à fortaleza do que à audácia (60).

O segundo modo é tomado da parte do homem, quanto àquilo que é próprio a cada um. Já que diversos homens são naturalmente inclinados a coisas diversas, é necessário que aquele que deseja tornar-se virtuoso preste atenção ao que seja aquilo ao que seu apetite mais é inclinado a ser movido. Cada um pode conhecer aquilo a que é naturalmente inclinado pela deleitação ou tristeza que acerca daquilo se produz, porque para cada um aquilo que é para si conveniente segundo a natureza lhe é deleitável. De onde que se alguém em alguma ação ou paixão muito se deleita, é sinal de que este alguém é naturalmente inclinado a ela. Ora, os homens tendem veementemente às coisas que naturalmente são inclinados. Por isso, acerca delas o homem facilmente transcende o termo médio. É necessário, portanto, que nós nos dirijamos ao contrário o quanto possamos (61). Este modo de adquirir a virtude é semelhante àqueles que endireitam uma árvore torta, os quais, querendo endireitá-la, a torcem à outra parte e assim a reduzem ao termo médio (62).

A estas considerações de Aristóteles sobre o segundo modo de adquirir a virtude S. Tomás de Aquino acrescentou este seu próprio parecer:

"Deve-se considerar que este caminho
de adquirir a virtude é eficacíssimo,
isto é, que o homem se esforce ao contrário
daquilo a que é inclinado
pela natureza ou pelo costume.

O caminho que os filósofos estóicos,
(que vieram depois de Aristóteles),
propuseram é mais fácil,
isto é, o caminho pelo qual o homem
gradativamente se afasta daquilo a que é inclinado.

Mas o caminho que aqui Aristóteles coloca
compete àqueles que de modo veemente
desejam afastar-se dos vícios e alcançar a virtude,
enquanto que o caminho dos estóicos mais compete
àqueles que têm uma vontade débil e tépida"
(63).

Há ainda um terceiro modo pelo qual o homem pode alcançar a virtude, também tomado da parte do homem, mas não quanto àquilo que é próprio do homem, e sim quanto àquilo que é comum a todos. Segundo este terceiro modo, os homens que pretendem alcançar a virtude devem universalmente evitar as deleitações. De fato, todos são naturalmente inclinados às deleitações, e por causa de que os homens maximamente são inclinados à deleitação, o deleitável apreendido facilmente move o apetite. E por isso não podemos facilmente julgar o que é deleitável detendo-nos na consideração do mesmo. Assim, afastando-nos das deleitações menos erraremos, porque a concupiscência das deleitações conduz os homens a afastarem- se do termo médio da virtude (64).

Encontrar o termo médio da virtude, continua o Comentário, é algo difícil, principalmente considerando as circunstâncias singulares nos operantes singulares. Por exemplo, não é fácil de se determinar como se deve fazer, e a respeito de que, e em quais coisas e por quanto tempo alguém deve se irar. E é um sinal desta dificuldade o fato de que aqueles que são deficientes em irar-se às vezes são louvados e chamados de mansos, enquanto que outras vezes louvamos aqueles que estão mais agravando uma situação punindo ou resistindo e os chamamos de viris (65).

Por isso é suficiente para o termo médio da virtude que alguém pouco se afaste daquilo que é bem feito segundo a virtude, o qual não é vituperado, nem se declinar para mais ou para menos. Isto porque um pequeno afastamento do termo médio da virtude é ocultado pela própria dificuldade do termo médio. Mas um grande afastamento merece ser reprovado, porque não se pode ocultar. Quanto, porém, alguém pode afastar-se do termo médio sem que tenha que ser reprovado é algo que não pode ser facilmente determinado apenas num discurso (66).



Referências

(59) In libros Ethicorum Expositio, L. II, l. 11, 370.
(60) Idem, L. II, l. 11, 371. (61) Idem, L. II, l. 11, 374-375. (62) Idem, L. II, l. 11, 375. (63) Idem, L. II, l. 11, 376. (64) Idem, L. II, l. 11, 377. (65) Idem, L. II, l. 11, 379. (66) Idem, L. II, l. 11, 380-381.