V.19.

Ordenação das virtudes à contemplação. I.

Por que razão as virtudes morais devem ser levadas até à excelência para que o homem possa alcançar a contemplação da verdade?

Santo Tomás de Aquino dá uma primeira resposta a esta pergunta no final da segunda parte da Summa Theologiae:

"As virtudes morais pertencem à vida contemplativa
dispositivamente,
na medida em que compõem e ordenam
as paixões interiores da alma;
quanto a isto as virtudes morais ajudam a contemplação,
que é impedida pela desordem das paixões interiores.

De fato, o ato da contemplação é impedido
pela veemência das paixões,
pela qual a intenção da alma é levada
dos inteligíveis para os sensíveis.

Ora, as virtudes morais impedem
a veemência das paixões,
pelo que pertencem à contemplação dispositivamente,
porque pelo seu exercício
são acalmadas as paixões internas do homem,
das quais se originam os fantasmas da imaginação,
pelos quais se impede a contemplação"
(163).

Este texto é notável e importante porque mostra existir uma dupla maneira da atividade dos sentidos interiores no homem, em particular da fantasia.

Conforme já havia sido anteriormente explicado no quarto capítulo deste trabalho, a atividade da inteligência não pode se dar sem o funcionamento paralelo da fantasia, de onde a inteligência tira, como de um objeto visível, as formas através das quais intelige. Quanto mais profunda for esta atividade da inteligência, tanto mais dócil deve ser o movimento da fantasia à atividade intelectual.

Ora, o texto da Summa acima citado mostra que existe uma disputa interior no homem pelo controle da fantasia. A fantasia pode ser movida por uma causa que lhe é superior, isto é, a vontade ou apetite racional, fazendo-a secundar os movimentos da atividade da inteligência, mas pode ser movida também, como mais freqüentemente acontece nos homens, por uma causa que lhe é inferior, isto é, pelas suas paixões, obstaculizando com isto o livre exercício da inteligência.

Será inútil tentar ordenar os movimentos da fantasia agindo diretamente sobre ela, pois não são estes a verdadeira causa do impedimento da contemplação; esta desordenação do movimento da fantasia é um efeito de uma causa mais profunda que é a própria desordenação das paixões; somente ordenando as paixões humanas é que se pode esperar uma ordenação da fantasia e sua subserviência à contemplação da inteligência, o que não se pode fazer sem primeiramente uma promover uma ordenação completa da vida moral do estudante.

De fato, já com uma pequena desordem no movimento da fantasia a contemplação se torna dificultosa e penosa, ou mesmo impossível, embora a inteligência se esforce para tanto. Mas à medida em que esta desordem vai aumentando, ela passa a ter efeitos sobre a própria vontade, que passa a recusar a atividade intelectual, ou até mesmo a desistir dela como a algo inatingível ou incompreensível; e neste caso, ainda que o homem ouça falar a respeito da contemplação, sequer consegue vir a desejá-la, não obstante ser esta a mais profunda tendência de sua natureza. Tal é a força da desordem moral sobre a inteligência, a ponto de inabilitá-la por completo até mesmo dos vestígios de qualquer inclinação da inteligência ao ato da contemplação.

Já no caso das pessoas que são um edifício acabado de todas as virtudes morais, será suficiente em certos casos apenas ouvir uma breve preleção a respeito do assunto para que a inteligência reconheça por experiência própria alguma coisa a respeito do que se está falando.

Daí que originou-se a clara percepção entre os antigos filósofos de que não seria possível uma verdadeira vida da inteligência sem a prática, não apenas paralela, mas inclusive prévia da virtude. Não pode haver sabedoria sem virtude, e querer dissociar ambas as coisas como se fossem independentes, como se faz nas escolas e principalmente nas escolas de nível superior do mundo moderno, revela apenas uma ausência de conhecimento da natureza humana ou baixos ideais na vida da inteligência. A partir do momento em que o homem tenta alcançar metas mais elevadas na atividade intelectual, ele é como que compelido pela própria natureza desta atividade a perceber que a plena atividade intelectual exige uma completa ordenação moral da vida do estudante.



Referências

(163) Summa Theologiae, IIa IIae, Q. 180 a.2; IIa IIae, Q. 182 a.3.