II

Inicia-se o Tratado dos Três Dias

A Contemplação do Verbo de Deus
pelas coisas visíveis



1.

O Verbo manifestado pela contemplação das coisas visíveis.

O Verbo de bondade e a vida de sabedoria que fez o mundo torna-se manifesta pela contemplação do mundo visível.

O Verbo em si mesmo não pode ser visto; fez, porém, com que pudesse ser visto pelas coisas que fez. Pois, como diz o Apóstolo,

"as coisas invisíveis de Deus
podem ser vistas pela criatura
pelo entendimento das coisas
que foram criadas".

Rom. 1

2.

As coisas invisíveis de Deus.

Três são as coisas invisíveis de Deus: a potência, a sabedoria e a benignidade.

Destas três procedem todas as coisas, nestas três consistem todas, e por estas três são regidas todas.

A potência cria, a sabedoria governa e a benignidade conserva. Estas coisas, porém, são em Deus, de um modo inefável, uma só coisa; e assim também, nas obras de Deus não podem ser inteiramente separadas. A potência cria pela benignidade com sabedoria. A sabedoria governa benignamente pela potência. A benignidade, pela sabedoria, conserva com poder.

3.

Atributos da criatura que manifestam as coisas invisíveis de Deus.

A imensidade das criaturas manifesta a potência; a beleza, a sabedoria; a utilidade, a benignidade.

4.

Como se nos manifesta a imensidade das criaturas.

A imensidade das criaturas se manifesta na multidão e na magnitude.

A multidão nos semelhantes, nos diversos e nos permistos.

A magnitude na corpulência e no espaço. A corpulência na massa e no peso. O espaço no longo, no largo, no profundo e no alto.

5.

Como se nos manifesta a beleza das criaturas.

A beleza das criaturas está na posição, no movimento, na espécie e na qualidade.

A posição está na composição e na ordem. A ordem está no lugar, no tempo e na propriedade.

O movimento é divisível em quatro: o local, o natural, o animal e o racional. O local é para a frente e para trás, à direita e à esquerda, para cima e para baixo, e há também o movimento circular. O movimento natural é o de aumento e diminuição. O movimento animal está no sentido e nos apetites. Finalmente, o movimento racional está nas obras e nos conselhos.

A espécie é a forma visível, discernível pelos olhos, como as cores e as figuras dos corpos.

A qualidade é uma propriedade interior, percebida pelos demais sentidos, como a melodia percebida pelo ouvido, a doçura percebida pelo gosto, a fragrância percebida pelo olfato, a lenidade percebida pelo tato.

6.

Como se manifesta a utilidade das criaturas.

A utilidade das criaturas consta do agradável, do apto, do cômodo e do necessário.

O agradável é o que deleita; o apto, o que convém; o cômodo, o que aproveita; o necessário, aquilo sem o qual algo não é possível.

7.

Expõe o que irá passar a explicar.

Repetiremos agora as perfeições apresentadas desde o princípio, investigando em cada gênero de divisão como pela imensidade das criaturas se manifesta a potência do Criador, pela beleza a sabedoria, e pela utilidade a benignidade.

E como a imensidade foi a primeira na divisão, seja também a primeira no prosseguimento.