VII

A Beleza da Espécie



1.

A divisão da espécie: figuras e cores.

Demos por suficiente, em favor da brevidade, o que já foi dito acerca do movimento. A este segue-se a espécie.

A espécie é a forma visível, que contém duas, a saber, as figuras e as cores.

2.

A divisão das figuras.

As figuras das coisas se apresentam admiráveis de muitos modos. Às vezes pela magnitude, às vezes pelo seu diminuto tamanho, às vezes porque raras, outras porque belas, outras, ainda, por assim dizer, por serem de certo modo convenientemente ineptas, às vezes porque em muitas são uma só, outras porque em uma só são diversas. Cada um destes modos trataremos pela sua ordem.

3.

A beleza das figuras grandes.

A figura chama a atenção pela magnitude quando qualquer coisa excede na quantidade o modo de seu gênero.

É assim que admiramos o gigante entre os homens, a baleia entre os peixes, a águia entre as aves, o elefante entre os quadrúpedes, o dragão entre as serpentes.

4.

A beleza das figuras pequenas.

Considera-se a figura pelo seu diminuto tamanho quando uma coisa qualquer não consegue alcançar a quantidade de seu gênero, tal como o piolho nos cabelos, a traça na indumentária, os vermes e os demais pequenos parasitas, que vive entre os outros animais, mas entre estes se destacam pela exiguidade de seus corpos.

Vê o que mais deves admirar, os dentes do javali ou os da traça? As asas de uma águia ou as de um minúsculo mosquitinho? A cabeça de um cavalo ou a de um gafanhoto? As pernas de um elefante ou a dos mais pequenos insetos? Uma águia ou uma formiga? Um leão ou uma pulga? Um tigre ou uma tartaruga? Ali admirarás a magnitude, aqui a parvidade: um pequeno corpo feito por uma grande sabedoria. Uma grande sabedoria em que não se oculta negligência alguma. Deu-lhes olhos que dificilmente os olhos poderão enxergar; em em corpos tão pequenos distribuiu plenissimamente todas as características adequadas às suas naturezas, de certo que não verás faltar nos menores deles nada de tudo quanto a natureza formou nos maiores.

5.

A beleza das figuras raras.

Resta agora dizer das coisas que são raras, e por causa disto parecem mais admiráveis. Há entre as coisas criadas algumas que parecem mais admiráveis porque raramente chegam à notícia dos homens, ou porque foram criadas puras em seus gêneros, ou porque estão escondidas em lugares remotos e em profundezas ocultas da natureza. A providência do Criador quis dar a estas coisas um lugar separado, para que pelo convívio com aquelas que são nocivas não fosse lesada a sociedade humana, pela espécie daquelas que são preciosas fosse provada a cobiça dos homens, e pela novidade daquelas que são raras a obtusidade da inteligência humana fosse estimulada e aprendesse a se admirar. Finalmente, a providência do Criador lhes deu um lugar separado também para que estas coisas, ao mesmo tempo boas e más, por terem sido colocadas ao longe, de certa maneira falassem ao homem com quanta diligência deve fugir dos males eternos e desejar os bens eternos, se para alcançar estes bens e evitar estes males, ambos temporais, sustenta tantos trabalhos.

6.

Figuras admiráveis apenas pela beleza.

Seguem-se as coisas que são admiráveis por causa de sua beleza. Admiramos as figuras de algumas coisas porque são belas de um modo especial e suas partes se adequam convenientemente, vendo-se nelas, pela própria disposição da obra, como que uma diligência especial ali utilizada pelo Criador.

7.

A beleza das figuras monstruosas e ridículas.

Já outras coisas são admiradas porque são monstruosas ou ridículas; suas descrições, quanto mais se tornam alheias à razão humana, tanto mais facilmente podem compelir a alma humana à admiração.

Por que o crocodilo, ao comer, não move a mandíbula inferior? Como a salamandra consegue permanecer ilesa no fogo? Quem ensinou ao ouriço a esconder-se entre as frutas esparramadas pelo vento, e lhe deu espinhos que fazem o caminhante ferido gritar como as rodas de uma velha carroça? E à formiga, que apregoa o inverno que se aproxima estocando grãos nos seus armazéns? E à aranha, que de suas vísceras tece os laços pelos quais apanha a presa? São estes testemunhos da sabedoria de Deus.

8.

A beleza de uma só figura em muitas.

Existe ainda um outro argumento verdadeiro e evidente da sabedoria divina no fato de todo gênero procriar o seu semelhante, e em uma quantidade tão numerosa de descendentes uma só semelhança que se propaga desde a origem não muda de forma. A ovelha não pare o bezerro, nem a vaca o cordeiro, o cervo a lebre, o leão a raposa, mas tudo o que existe propaga a sua descendência no que lhe é semelhante. A natureza insensível também observa o mesmo; um gênero de árvore é a da tília, outro o da fiqueira, ainda outro o do carvalho: cada uma possui a sua espécie e observa a semelhança de seu gênero.

9.

A beleza de muitas figuras em um só.

Observa uma folha, como é ornamentada ao seu redor por um conjunto de dentes, e em seu interior por um tecido de pequenas costelas. Há um número para aqueles, assim como um número para estas. Em tudo o que é um só gênero encontrarás em uma só multidão e em uma só semelhança tantos dentes em um quantos dentes no outro; tal forma em um qual em outro; tal cor em um qual no outro.

Eis como as amoras e os morangos são ornadas em todo o seu redor por minúsculos grãos compactos; qualquer uma delas é igual a qualquer outra delas, e toda a natureza, como se tivesse recebido os preceitos de um governante interior, nunca presume exceder os limites que lhe foram estabelecidos.

É também admirável que em um só corpo tenham sido constituídos tantos membros, tantas formas de membros, tantos lugares, tantos ofícios. Eis que quantos membros há em um só corpo de homem? Uma é a boca, outros são os olhos, outra é a língua, e nariz, os pés, as mãos; cada um tem a sua forma, seu lugar, seu ofício, e sendo em si mesmos tão diversos, cada um entretanto coopera mutuamente com todos os outros.

10.

A beleza das cores.

Após a figura vem a cor.

Não será o caso de fazer uma longa dissertação sobre as cores das coisas, já que a própria visão demonstra o quanto a cor acrescenta ao decoro da natureza, adornada com cores tão variadas e tão distintas.

O que mais belo do que a luz, que em si não possui cor, mas tinge todas as coisas iluminando-as com as suas cores? Que alegria maior do que ver o céu sereno resplandescente como a safira, o qual, pela agradabilíssima moderação de sua claridade, acolhe a vista e suaviza o olhar? O Sol brilha como o ouro; a lua, palidamente como a prata; as estrelas, com aspecto flamejante: algumas cintilam com uma luz rósea; outras alternadamente apresentam ora um fulgor róseo, ora verde, ora alvo.

O que direi das gemas e das pedras preciosas? São admiráveis não apenas pelas suas utilidades, como também pelos seus aspectos.

Eis a terra coroada de flores, que agradável espetáculo oferece, como deleita a vista, como provoca o afeto! Vemos o rubor das rosas, a candura dos lírios, a púrpura das violetas, em que não apenas a beleza, mas também a origem é admirável. Isto é, como a sabedoria de Deus do pó da terra produz tais espécies?

Ainda mais bela do que todas estas é a videira; ela rapta a alma dos que a observam de perto, quando após a poda, se seus renôvos brota uma nova vida, e levantando-se desde baixo em seus raminhos, como se tivessem sido calcados pela morte, irrompem agilmente em direção à luz à imagem da futura ressurreição.

Mas que dizemos das obras de Deus? Admiramos também de muito boa vontade com olhos enganados por uma sabedoria adulterina as ilusões da indústria humana.