NÃO SÃO OS PERSEGUIDOS OS FERIDOS, MAS OS PERSEGUIDORES |
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Se para vos demonstrar que nenhum dano acontece aos santos por estes maus tratos, antes recompensa maior e mais confiança diante de Deus, vos alegasse os bens vindouros, talvez rompesseis em gargalhadas, pois este é o modo de rir de que gostais sempre; porém, por muito amigos que sejais do riso, não podereis negar fé ao presente. E não poderíeis, ainda que o quisesseis, pois as próprias coisas vos desmentiriam. Sem qualquer dúvida, tereis ouvido falar de Nero. Sim, que foi um homem famoso por sua libertinagem, o primeiro e o único que, chegado a tão alto poder, soube achar novos modos de torpeza e impudor. Pois Nero, que foi contemporâneo do bem-aventurado Paulo, acusava a este dos mesmos crimes, parecidos com estes de que são acusados estes santos varões agora. E foi assim que Paulo, havendo persuadido a uma concubina de Nero a quem este muito amava, a que abraçasse a fé, persuadiu-a juntamente a deixar aquele relacionamento impuro. Acusando, pois, Nero a Paulo deste crime, dava-lhe os nomes de corruptor e charlatão, os mesmos que vós aplicais aos monges, e começou por mete-lo na prisão; logo, como não lograva convence-lo para que deixasse de aconselhar a garota, terminou matando-o. Pois bem, que dano resultou disso para quem sofreu o mal, e que proveito para quem o fez? Não é verdade que o proveito foi para Paulo, morto, e o dano para Nero que o mandou matar? Não é certo que Paulo é celebrado como um anjo por toda a face da terra (e por enquanto só falo do presente) e todo o mundo abomina Nero como verdadeira peste e demônio feroz?
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4. |
Quanto aos bens da outra vida, embora não tenhais fé neles, é mister dize-los pela graça de quem a tem. Na verdade, julgando pelo presente, deveríeis crer no que virá. Mas, em fim, seja qual for vossa atitude a respeito dos bens da outra vida, eu vou dize-los e não farei mistério deles. Qual será, pois, a sorte de um e de outro na eternidade? O miserável e desventurado Nero, esquálido e cabisbaixo, coberto de confusão e obscuridade, com os olhos na terra, será conduzido onde está o verme que não morre e o fogo que não se apaga. O bem-aventurado Paulo, ao contrário, estará com grande confiança junto ao trono do rei, entre brilhantes resplendores e revestido de tanta glória que em nada ficará atrás de anjos e arcanjos; e receberá tamanha glória, qual corresponde a quem entregou a sua própria vida para cumprir o beneplácito divino. Porque esta é a verdade: Grande recompensa espera certamente aos quem fazem o bem; porém maior e mais copiosa será a daqueles que o fizeram tendo que passar por entre os perigos e opróbrios. E ainda que a boa obra seja a mesma daquele que a cumpriu sem trabalho daquele que teve que passar por trabalhos para cumpri-la, a honra e a coroa não serão as mesmas. Nas guerras não há dúvida que é coroado aquele que levantou o troféu de vitória; porém recebe uma coroa mais brilhante quem, sobre o troféu, pode mostrar as feridas com que foi levantado. E que digo dos que vivem? Os que não têm outro mérito que ostentar senão o haver morrido valorosamente na guerra, sem haver feito jamais outro bem aos seus, são celebrados por toda a Grécia como seus salvadores e protetores. O que talvez ignorais, entregues como estais continuamente a vossos risos e deleites. Pois se homens gentis e que não têm em absoluto um pensamento são, chegaram a compreender isto e com tão alta honra honram os que só morreram por eles, sem que outra coisa fizessem; quanto mais não fará assim Cristo que pela largueza de seus dons sobrepuja sempre aos que por seu amor se expõem ao perigo? Porque Ele determinou magnífica recompensa não só por serem perseguidos, feridos, encarcerados e mortos violentamente, mas por uma simples injúria e por palavras de opróbrio:
disse,
Pois bem, se o sofrer um dano e o ouvir uma injúria aumenta a recompensa dos que sofrem o dano e ouvem a injúria, segue-se que quem impede que o dano se faça ou que se diga a injúria não favorece tanto aos que sofrem o dano e a injúria, quanto aos que dizem a injúria e fazem dano. Àqueles antes prejudicam, pois os privam da maior parte de sua recompensa e tira-lhes o motivo de sua alegria e de seu júbilo. De maneira que, olhando só para os monges, seria melhor calar e deixar que sucedesse tudo isso que lhes proporciona maior confiança diante de Deus. Mas posto que somos membros uns dos outros, ainda que de sua parte não venham a nos agradecer, não é bom que os que assim sentimos, providenciemos o beneficio de uma parte e nos descuidemos da outra. Aos monges não faltarão outros motivos de merecimento, ainda que agora não sejam maltratados; estes, ao contrário, se não se apartarem desta guerra, não é possível que se salvem. |