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Mas não toquemos ainda neste assunto. Examinemos no momento
se o prazer em si não é coisa fria e vil e, se te agradar, vejamos
primeiro este que parece o mais agradável: o prazer da gula.
Mostra-me, pois, o tempo que dura este prazer e durante que parte do
dia seríeis capazes de retê-lo. Tanto que apenas pode-se ver
claramente. Porque apenas alguém se tenha saciado, terminou o prazer
e, ainda mais a satisfação passa mais veloz do que uma torrente e se
desvanece na garganta e não acompanha sequer os alimentos ao
estômago. Apenas passa pela língua e perde toda a sua força. E me
calarei sobre os outros inconvenientes e sobre a tormenta que se segue
à gula. Não só é mais agradável o homem que não se entrega a
ela, mas sente-se mais leve e dorme mais facilmente do que aquele que
se arrebenta de pura saciedade.
diz a Escritura,
E para que falar das
enfermidades, moléstias, calamidades e gastos supérfluos? E que
disputas, que insídias e danos não nascem dos banquetes!
- Mas é doce - dizes - o trato com as mulheres rameiras.
- Que prazer pode haver entre tanta vergonha? Mas não toquemos
ainda aqui neste ponto por enquanto; não falemos das lutas entre
amantes nem das guerras e das acusações entre rivais. Deixemos
barato que se possa gozar com toda a tranqüilidade desta devassidão,
que não surja o rival, não venha o desprezo da meretriz e mane o
dinheiro como de fontes. Na verdade, não é possível que aconteçam
juntas todas estas coisas. O que não quiser ter rival, não terá
outro remédio senão arruinar toda a sua fazenda, afim de ganhar em
esplendor todos os demais; e o que não quiser parar na miséria,
terá que agüentar o desdém e o cuspe da rameira. Mas, enfim,
suponhamos que não haja nada disso e tudo saia ao impudico como ele
espera. Podes me dizer agora onde está o prazer que se segue destes
tratos? Certamente não se acha no momento da união carnal, pois o
que a consumou, por isso mesmo, extinguiu todo o prazer; e o que não
o consumou, não sente prazer, mas tumulto e agitação e
abrasamento.
Não é deste timbre o prazer que se dá entre nós nem tal Deus
consinta. Nossos prazeres deixam sempre serena a alma e não trazem
consigo ruído nem perturbação alguma; antes, trazem uma alegria
pura, sincera e gloriosa, que não tem término e é mais intensa e
poderosa que a vossa. Prova de que nosso prazer é mais agradável que
o vosso é que o medo bastaria para vos apartar dele; e se o imperador
promulgasse um edito ameaçando de morte aos impudicos, a maior parte
dos homens se apartaria deste prazer; ao contrário, mil mortes não
bastariam para nos obrigar a desprezar o nosso. Nós nos riríamos de
quem assim nos ameaçasse. Tanto mais forte, tanto mais agradável é
um prazer que outro e não admitem sequer comparação entre si.
Não invejes, pois, o teu filho que se passou de bens que fluem como
água, ou melhor dizendo, de bens que não têm ser nem importância,
a bens verdadeiros e firmes, nem chores por quem merece ser
parabenizado. Teu choro seria melhor empregado por quem não é como
ele e é levado e traído, como se estivesse em mar revolto, pela vida
presente.
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