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Mas, já que muitos pais insistem desejando ver os seus filhos
vivendo nas letras, como se soubessem com certeza que hão de chegar à
cúspide da eloquência, não vamos discutir obstinadamente este ponto
nem lhes diremos que fracassarão em seus intentos. Admitamos que
dominarão absolutamente o estudo e chegarão à meta proposta. Mas se
nos apresentam uma dupla opção: freqüentar as escolas e lutar pela
instrução ou marchar para o deserto e lutar pela alma, onde é que
vale mais vencer? Porque se é possível vencer nas duas partes,
também eu o quero; mas se há que se decidir por uma das duas,
deve-se escolher a melhor.
- Muito bem - me dizes -; mas como saberemos isto, quero dizer,
que se manterá firme, perseverará e não cairá? Porque são muitos
os que caíram.
- E como saberemos que não se manterá firme nem perseverará?
Porque muitos são os que se mantiveram firmes, e mais numerosos do
que os que caíram, de maneira que mais confiança hão de nos infundir
aqueles do que estes o temor. E por que não temes o mesmo no estudo
das letras, onde terias todos os motivos para temer? Porque, entre
os muitos monges, poucos fracassaram; mas nos estudos das letras, de
muitos, poucos triunfaram. E não é este o único motivo, mas há
muitos outros a temer com mais razão no estudo das letras do que na
profissão monacal. A incapacidade da criança, a ignorância dos
mestres, a negligência dos aios, as ocupações do pai, a falta de
dinheiro para gastos e salários, a diferença de caracteres, a
maldade, a inveja e a ojeriza dos companheiros de estudo e tantas
coisas mais são outros obstáculos para alcançar a meta ambicionada.
E nem sequer são só estes, mas, passada esta meta, ainda se
apresentam outros muitos. Quando o jovem tiver superado tudo e tiver
chegado ao término de sua instrução, aqui o espera outra emboscada.
Muitas vezes a malevolência do governante, a inveja dos companheiros
de profissão, a dificuldade das circunstâncias, a falta de amigos,
a própria pobreza, enfim, são coisas para que não se consiga o
êxito.
Nada disto se dá entre os monges. Ali só se requer uma coisa: uma
generosa e boa vontade. Se esta ocorre, não há nada que impeça
chegar ao cume da virtude. Pois bem, não é injusto se desesperar e
tremer onde as boas esperanças são mais claras e próximas, e confiar
onde são mais distantes, havendo tantos obstáculos que se cruzam no
caminho, e as dificuldades mais patentes e numerosas? Nas letras não
se considera os fracassos que muitas vezes acontecem, mas os êxitos
que escassamente se dão; na virtude monástica se faz o contrário.
E assim, onde as esperanças do bem são muitas, só se considera o
mal possível; onde o provável é o mal, só se conta com o bem. Na
verdade, na profissão das letras, ainda quando se tem todas as
circunstâncias favoráveis ao êxito, muitas vezes, quando se chega
à meta, uma morte prematura arrebata o atleta sem ser coroado, depois
de suores infinitos; mas na profissão monacal, se a morte surpreende
o monge no meio dos seus combates, então mais do que nunca sai deste
mundo glorioso e coroado.
Em conclusão, se temes pelo futuro, é nas letras onde
particularmente deverias temer, pois nelas são muitos os obstáculos
para se chegar ao término. Mas de um lado, não achas inconveniente
esperar largo tempo, olhando só para o término e não para o
intermédio, os gastos, quero dizer, a miséria e a incerteza do
resultado; de outro lado, porém, quando teu filho ainda não pisou
nos umbrais nem pôs a mão nesta bela filosofia, imediatamente te
lanças a temer e a tremer e não és homem para ter um só pensamento
razoável.
- Contudo, tu mesmo disseste antes: Pois então? Por acaso, o
que habita uma cidade e sustenta uma família não pode se salvar?
- Logo se com mulher e casa e morando na cidade é possível
salvar-se, muito mais fácil será, sem mulher e demais
impedimentos. Porque não pode um mesmo sujeito ter confiança, mesmo
quando se sente amarrado às coisas terrenas, por crer que ainda assim
é possível a salvação, e temer e tremer por outra parte quando se
vê livre de tudo, como se não fosse possível viver santamente sem
essas coisas. Se, como dizias, é possível salvar-se o que habita
uma cidade, muito mais aquele que se retira para o deserto. Como
temes, pois, aqui o impossível e não temes onde deverias temer?
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