PARA QUEM DEIXAREMOS NOSSAS RIQUEZAS?

- E para quem - perguntas - deixaremos nossos campos, casas, escravos e ouro?

Eis aqui um lamento que ouço também dos pais. Pois do mesmo que herdaria antes, e agora com muito mais razão que antes, pois agora será o guarda e o senhor das riquezas, mais seguramente que antes. Então havia muitas coisas que podiam prejudicar seus bens. A traça, o longo tempo, os ladrões, os caluniadores ou delatores, os invejosos, a incerteza do futuro, a fácil mudança das coisas humanas, e, por fim, a morte despojaria teu filho do seu dinheiro e das suas posses. Mas agora ele colocou sua riqueza em um lugar inacessível a tudo isso, achou um abrigo seguro, onde nada disso pode penetrar. Tal lugar é o céu, inacessível a toda cilada, fértil como nenhuma outra terra, banco que oferece os mais altos interesses a quem deposita nele seu dinheiro. De modo que não havia porque fazer esta pergunta agora. Se teu filho tivesse que ficar no mundo, então sim, haveria porque lamentar-se e perguntar: Para quem deixaremos nossos campos, para quem o ouro, e os demais bens? Porque agora o teu filho é tão senhor de seus bens, que, nem mesmo depois que tiver saído deste mundo, perderá seu senhorio. Melhor ainda, saídos deste mundo, é que melhor gozam de seus interesses.

Mas se também aqui na terra queres ver teu filho dono dos seus bens, nisto também pode-se ver a vantagem que o monge leva sobre o mundano. Se não é assim, responde-me então: Quem é mais dono daquilo que possui: o que gasta e reparte com grande liberdade ou o que por mesquinharia não se atreve a tocá-lo e o enterra e guarda como se fosse alheio? O que gasta a torto e a direito ou o que gasta devidamente? O que semeia na terra ou o que semeia no céu? O que não pode dar tudo o que é seu a quem deseja, ou o que se vê livre de todos os que exigem tais contribuições? Porque tanto em cima do lavrador quanto do comerciante se lançam um enxame de cobradores de tributos, que reclamam cada um a sua parte; mas a quem deseja gastar o que tem com os necessitados, ninguém irá chegar com tais ameaças. De maneira que, também aqui o monge é mais dono de suas riquezas que o leigo. Ou tu chamas de dono de suas riquezas aquele que as gasta com rameiras, comilanças, aduladores e parasitas, manchando sua própria honra, perdendo sua alma e fazendo escárnio de todo o mundo, e não aquele que as emprega inteligentemente para a verdadeira glória e proveito e conforme o beneplácito divino? É como se chamasses dono de seu dinheiro aquele que visses jogando-o no esgoto e chorasses de pena por não ser senhor de seu dinheiro aquele que o empregasse em satisfazer suas necessidades, Na realidade, não se deveria comparar estes tais com os que simplesmente gastam, mas com os que gastam para seu próprio mal. Porque os gastos que fazemos por necessidade nos proporcionam acréscimo de honra, bem estar e segurança; porém os outros não só desonram e envilecem, mas ainda conduzem de mil maneiras à perdição.