II.3.

Antropologia do problema dos fins.

No início da Prima Secundae da Summa Theologiae, Tomás de Aquino afirma que todas as ações propriamente humanas são feitas tendo em vista um fim. É assim que ele explica este fato:

"Nem todas as ações do homem",

diz Tomás de Aquino,

"são ditas humanas.
Somente são ditas humanas
aquelas que são próprias
do homem enquanto homem.
Ora, o homem difere das criaturas irracionais
pelo fato de ser senhor de seus atos.
Portanto, somente serão chamadas
propriamente humanas aquelas ações
das quais o homem é senhor.
O homem, porém,
é senhor de seus atos
pela razão e pela vontade,
de onde que são ditas
ações propriamente humanas
aquelas que procedem
da vontade deliberada.

As demais ações podem ser ditas
ações do homem,
mas não propriamente humanas,
pois não são do homem enquanto homem.

É manifesto, porém,
que todas as ações
que procedem de alguma potência,
tal como a vontade ou a inteligência,
são causadas por ela
segundo a razão de seu objeto.
O objeto, porém, da vontade,
é o fim ou o bem.
Portanto, todas as ações humanas
são por causa de um fim"
(2).

"Há muitas coisas
que o homem faz sem deliberação,
nas quais às vezes nem sequer chega a pensar,
como quando alguém move o pé ou a mão
ou coça a barba.
Nestas coisas o homem não age
por causa de um fim,
mas também estas ações
não são propriamente humanas,
pois não procedem de uma deliberação da razão
que é o princípio próprio das ações humanas;
podem ter um fim imaginado,
não porém conferido pela razão"
(3).

Portanto, segundo Tomás de Aquino, em todas as ações propriamente humanas verifica-se a existência de um fim.

É preciso agora investigar se existe um fim último entre os fins a que as ações humanas se dirigem. Tomás de Aquino responde que sim, que existe este fim último, e a explicação que ele dá é a seguinte:

"É impossível, porém,
proceder nos fins até o infinito.

Pois, de fato, em todas as coisas
que possuem ordem por si mesmas,
é necessário que,
se for removida a primeira,
sejam removidas todas as demais
que se ordenam a esta.
É por isto que o Filósofo diz,
no VIIIº da Física,
que não é possível nas causas moventes
proceder até o infinito,
porque neste caso já não haveria
um primeiro movente e,
retirado este,
as demais não poderiam mover-se,
pois não se movem a não ser
movidas pelo primeiro movente.

Nos fins, porém,
encontramos duas ordens:
a ordem da intenção,
e a ordem da execução.
Em ambas estas ordens
é necessário haver um primeiro.

Aquilo que é primeiro na ordem da intenção
é um princípio que move o apetite;
se retirarmos este princípio,
o apetite não poderá ser mais movido.

Aquilo que é o princípio na execução,
é aquilo por onde principia a operação;
se retirarmos este princípio,
nada mais operaria.

Ora, o princípio da intenção
é o fim último;
o princípio da execução
é a primeira das coisas
que se ordenam àquele fim.
De nenhuma destas partes
é possível proceder até o infinito pois,
se não houvesse um fim último,
nada seria apetecido,
nem alguma ação terminaria,
nem repousaria a intenção do agente;
se não houvesse um primeiro
nas coisas que se ordenam ao fim,
nada começaria a ser feito,
nem haveria fim para aconselhar-se sobre o que fazer,
mas nisto tudo se procederia até o infinito"
(4).

Portanto, diz Tomás de Aquino, não é somente no cosmos que se observa uma ordem, cujo fim a que ordenam todas as coisas compete ao sábio investigar; um fenômeno idêntico ocorre também na psicologia humana; a alma humana tende, por natureza, a um fim último, e aqui, novamente, a investigação deste fim compete ao sábio.

Este fim último, continua Tomás, tem que ser um só; não podem ser dois ou mais. Na Summa Theologiae ele afirma isto explicitamente:

"É impossível que a vontade de um só homem
se ordene simultaneamente a diversos bens
tomados como fins últimos"
(5).

Por que razão? Segundo o Comentário à Ética, uma primeira razão provém da própria unidade da natureza humana:

"É necessário que exista um único fim
para o homem enquanto homem
por causa da unidade da natureza humana,
assim como existe um único fim
do médico enquanto médico
por causa da unidade da arte medicinal"
(6).

Outra razão para que a vontade humana tenha que se ordenar a um fim último único é dada na Summa Theologiae:

"Como cada um apetece sua perfeição,
aquilo que alguém apetece como fim último
é o bem perfeito e completivo de si próprio.
É necessário, portanto,
que o fim último de tal modo
preencha todo o apetite do homem
que nada mais fora dele fique para ser apetecido,
o que não poderá verificar-se
se se requeresse algo mais
além da própria perfeição.
Portanto, não pode ocorrer
que o apetite tenda de tal modo a duas coisas
que ambas fossem o bem perfeito dela"
(7).

Tudo o que os homens querem, continua S. Tomás, o querem por causa do fim último, pois

"o fim último está para o movimento do apetite
assim como o primeiro movente está
para os demais movimentos.
Ora, é manifesto que as causas segundas moventes
não movem senão na medida
em que são movidas pelo primeiro movente.
De onde que os apetecíveis segundos
não movem o apetite senão na medida
em que se ordenam ao primeiro apetecível,
que é o fim último"
(8).

Encontramos, portanto, no homem, uma estrutura semelhante à ordem que observamos no Universo. Há um fim último na vontade do homem enquanto homem, algo que ele quer acima de tudo e em função do que ele quer todas as demais coisas.

Ora, se isto é assim, trata-se de algo que a educação não pode deixar de levar em conta, não apenas para não destoar da estrutura do Universo, mas também para não frustrar o próprio homem.

Resta determinar em que consiste este fim que é o anseio profundo da vontade humana.



Referências

(2) Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 1, a. 1. (3) Idem, Ia IIae, Q. 1, a. 1, ad 3. (4) Idem, Ia IIae, Q. I, a. 4. (5) Idem, Ia IIae, Q. 1, a. 6.
(6) In libros Ethicorum Expositio, L. I, l. 9, 106.
(7) Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 1, a. 6. (8) Idem, Ia IIae, Q. 1, a. 6.