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Pois bem, não sem motivo faço eu agora menção destas
pessoas; pois o caso é que vieram me trazer uma noticia amarga e grave
e cheia de ofensa contra Deus. Dizem-me que também agora há homens
que cometem os mesmos desaforos daqueles bárbaros e até os sobrepujam
em muito na iniquidade, pois expulsam de todas as partes os que induzem
a outros a seguir a filosofia que nós professamos e os intimam com
muitas ameaças a não falar palavra sobre o assunto nem ensinar coisa
semelhante aos homens sobre a terra.
Ao ouvir eu tudo isto, lancei um grito e perguntei com muito afinco a
quem me falava, se estava brincando ou se estava falando sério. Mas
ele:
- Longe de mim - disse - Não queira Deus que eu brinque jamais
com estas coisas, nem que diga nem finja em minha imaginação o que,
mesmo agora que aconteceram, eu teria pago alto preço e mil vezes
teria querido não me haver inteirado delas.
Suspirando eu então mais amargamente:
- Na verdade - disse-lhe - este crime é tão mais sacrílego que o
de Mitrídates e sua gente, quanto o templo das almas é mais augusto
e santo que o de pedras. Mas quem são, dize-me, e de onde procedem
os que tais desaforos cometem? Que causa ou motivo têm, a que alvo
miram os que assim lançam pedras ao alto e disparam contra o céu suas
setas e declaram guerra contra o Deus da paz? Porque um Sameas e
aqueles Fariseus e aquelas outras pessoas, eram bárbaros, como se
pode ver pelos seus próprios nomes, e inteiramente alheios à maneira
de viver judaica, e não queriam ver engrandecer-se homens vizinhos
seus, pois naturalmente pensavam que a potência destes havia de deixar
no porvir uma sombra sobre seu próprio poder. Mas aos perseguidores
atuais, que liberdade lhes foi diminuída , que segurança lhes foi
tirada, que colaboração encontram da parte dos que mandam, para
lançarem-se a tais atropelos? Porque afinal aqueles tinham a seu
favor os reis da Pérsia que pretendiam o mesmo que eles; nossos
imperadores, porém, penso eu, desejam e fazem votos exatamente pelo
contrário. Daí que me encontrei tomado da maior perplexidade, de
ver como, sob imperadores que vivem piedosamente, se possam cometer no
meio das cidades, atropelos como os que tu me contas.
- Pois ainda não sabes - me disse o outro - o mais admirável, e
é que os que fazem tais coisas querem se passar por piedosos e
chamam-se a si mesmos de cristãos, e muitos deles se contam entre os
já iniciados pelo batismo. E já houve algum deles, em quem o diabo
soprou com força extraordinária, que se atreveu a dizer com aquela
língua abominável que estava disposto a apostatar da fé e sacrificar
aos demônios, pois o sufocava que homens livres e de nobre
nascimento, que poderiam viver entre delícias, fossem conduzidos a
este duro gênero de vida.
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