O MONGE É DONO DAS RIQUEZAS SEM AS PREOCUPAÇÕES DA RIQUEZA

Porém gostaria de formular-te outra pergunta: Se fosse possível sobrepujar a todos em riqueza e ao mesmo tempo se ver livre dos inconvenientes da riqueza, não preferirias mil vezes este modo de opulência, em que não terias que suportar invejas, nem delações, nem preocupações, nem coisas semelhantes? Logo se te demonstro que isso tem teu filho agora e que vive em maior opulência do que nunca, bom será que cesses completamente teus prantos e lamentações.

Agora, pois, que teu filho está livre das preocupações e demais inconvenientes que traz consigo a riqueza, coisa que nem tu podes contradizer; pelo que tampouco eu tenho que discutir contigo esse ponto. O que tu desejas saber é como pode teu filho, que não tem nada, ser mais opulento que tu que possuis tantas coisas. Então, será isto o que eu vou te fazer ver e te demonstrar que esta extrema pobreza que tu pensas que sofre o teu filho, analisando bem a coisa, és tu que, comparado com ele, estás sofrendo.

4.

E não penses que vou te falar dos bens do céu e do que nos espera depois da viagem da vida presente. Não. A demonstração a quero tomar do que tens ao alcance da mão. Pois aqui vai. Em primeiro lugar, tu só és dono de teus próprios bens; o teu filho o é dos de toda a terra. Não me acreditas? Pois te levarei até teu filho e vamos convence-lo que desça do monte, ou melhor, que ele fique ali, e que dali mesmo indique a um dos grandes ricos e piedosos que lhe mande a quantidade de ouro que tu queiras... Mas não. Ele não quererá que mande para ele. Ordena-lhe, pois, que a dê a um necessitado qualquer, e verás como aquele rico lhe obedecerá e a entregará com a maior prontidão e gosto do que se tu o mandasses a um dos teus criados ou administradores. Porque o teu administrador quando o mandam gastar, se põe de mal humor e resmunga; o rico piedoso, ao contrário, quando não gasta se põe triste e teme ter ofendido os monges em alguma coisa, pois não recebe uma ordem semelhante. E posso mostrar-te muitos, e não dos mais ilustres, mas dos mais humildes, que têm este poder. Ademais, se teus administradores te malbaratam a fazenda que lhes confiaste, tu não tens a quem recorrer, e, pela malícia deles, toda a tua riqueza se converte em pobreza imediatamente. Teu filho, ao contrário, não tem porque temer tal perda, pois se o primeiro a quem pedir parar na miséria, dará suas ordens a outro; e, se com este acontecer o mesmo, acudirá um outro e é mais provável que sequem as fontes das águas do que faltar alguém disposto a obedecer-lhe nisto.